Nietzsche e Cioran: leituras para adolescentes?

Já se tornou corriqueiro dizer que Nietzsche e Cioran não são autores para adultos bem formados, que toda a filosofia de ambos não causam fortes impressões senão em adolescentes. Pois bem. Digo de minha parte: leio Nietzsche e Cioran, sobretudo, pelo prazer estético. Considero ambos, antes de filósofos, exímios artistas; vejo neles uma potência de expressão que não encontro em outras bandas; e a validade ou não de suas filosofias, para mim, é questão meramente secundária. Se fosse analisar somente pela lógica, diria da filosofia de Nietzsche, se tomada em conjunto, absurda; da de Cioran diria que não nos conduz senão à apatia. Mas, para mim, nada disso constitui demérito. Quem busca na filosofia um manual infalível para pautar o próprio pensamento e as próprias ações faz melhor lendo autoajuda. Não me sinto obrigado a encaixotar Nietzsche e Cioran no grupo dos “não concordo”, não me sinto incomodado diante de suas ambiguidades ou delírios; pelo contrário, tenho-os como mestres do estilo. Como disse, leio ambos pelo prazer estético, para encontrar beleza e acuidade nas expressões e para vê-los fazer suscitar em mim o desconforto. E não deixo de notar a pobreza nas palavras dos que taxam toda a obra de Nietzsche e Cioran como “filosofia para adolescentes”. Nada mais raso que resumir tudo a “certo” ou “errado”, isso só demonstra estreiteza de visão e incapacidade para lidar com o ambíguo. Terminar uma obra repleta de nuances, impecavelmente escrita e dizer tão somente “não concordo” parece-me a mais adolescente das generalizações.

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O artista e a coerência

Direi aqui o que para mim é uma obviedade: um artista não tem de prestar contas à coerência. Caso ache necessário, dispõe de liberdade para atirá-la ao espaço. E por que digo isso? Porque me causa fastio ver críticos a dizer de tal ou qual autor “incoerente”. Para mim é muito claro: quando um filósofo ou ensaísta senta-se e pôe-se a escrever o objetivo é um só: a lógica; o autor irá organizar seus pensamentos para expor seu raciocínio da forma mais límpida e precisa que conseguir. O artista, não. Quando um artista senta-se à mesa o objetivo é outro: é expressar-lhe o sentimento com a maior potência possível, ou causar a mais forte impressão no leitor. Coisas diferentes. Por isso é impossível a comparação entre um Aristóteles e um Fernando Pessoa. Um faz uma coisa, outro faz outra. E o artista que sacrifica a expressão pela coerência simplesmente diminui a sua arte: defender ideias não diz respeito a seu trabalho. Nos versos de um gigante:

Do I contradict myself?
Very well then I contradict myself;
(I am large, I contain multitudes.)

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Manuel Said Ali

Li, em sequência, Dificuldades da língua portuguesa e Versificação portuguesa, de Manuel Said Ali, filólogo e sintaticista brasileiro. Qual não foi minha surpresa! Busquei Said Ali em indicação de Manuel Bandeira, e vi em ambas as obras uma visão ímpar sobre nossa língua. Na primeira, Said Ali ilumina questões escabrosas do idioma, como o infinitivo pessoal, o espantoso pronome “se” e os particípios duplos, exibindo ostensivo domínio e noção viva da formação e evolução do português. Na segunda, bom, peguemos emprestadas as palavras de Manuel Bandeira que prefaciam o livro:

O compêndio Versificação portuguesa, ora editado pelo Instituto do Livro, parece-me, não obstante sua brevidade e concisão, o mais inteligente e incisivo que sobre a matéria já se escreveu no Brasil, senão também em Portugal. O eminente Prof. Said Ali, de quem tive a honra de ser aluno de alemão no colégio Pedro II, (…) a quem devemos tantas contribuições magistrais ao estudo de nosso idioma, não é um poeta. Mas o seu íntimo conhecimento da poesia latina e da poesia das grandes literaturas ocidentais dá-lhe competência para versar o assunto com uma autoridade que não terá talvez nenhum poeta da língua portuguesa.

Findas as leituras, não poderia estar mais agradecido. Manuel Said Ali, após extensos estudos, logrou resumir com clareza e precisão inúmeras questões dúbias de nosso idioma e iluminar outras tantas com análises excepcionais. Registro aqui, pois, minha indicação e meu respeito pela obra do professor.

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Futuro da humanidade

Tenho algumas perspectivas otimistas no que tange ao futuro da humanidade. Aqui vai uma: imagino uma hipótese em que, num futuro próximo, os avanços digitais possibilitariam que João, um estocador de frios, comprasse um bilhete para embarcar eternamente em uma instigante realidade virtual. (Para que o mundo se tornasse realmente melhor com o avanço, o preço do bilhete teria de ser acessível; digamos, custando o equivalente a três anos de trabalho braçal.) Então João deixaria de ser um trabalhador mal remunerado, com péssimas perspectivas, insatisfeito com a vida, importunado pelos bancos e adotaria um nickname interessante, abrindo mão de uma vida pífia para adentrar em outra estimulante, repleta de aventuras e desafios, que guardasse glória e respeito ao player esforçado. O novo João, a depender de seu esforço, poderia ocupar uma posição de destaque em sua nova realidade. Em contrapartida, cá do lado real do mundo, a ciência poderia inventar uma máquina que mantivesse o funcionamento do cérebro de forma independente do corpo; isso possibilitaria que João, uma vez participante da nova realidade, fosse cortado do pescoço para baixo, sendo seus órgãos vitais destinados a transplantes. É uma possibilidade um tanto otimista: João ficaria satisfeito e faria a felicidade de algum necessitado. Demais, seus restos materiais — a princípio inúteis — poderiam ser usados em pesquisas científicas ou a outras finalidades que interessassem à evolução da espécie. Acredito que, dessa forma, a ciência e a tecnologia digital certamente estariam operando para a felicidade geral, o bem-estar da sociedade e o progresso da humanidade da uma forma socialmente sustentável e consciente.

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