Não se pode aceitar nem por um segundo…

Não se pode aceitar nem por um segundo o empacotar neste chamado existencialismo autores como Kierkegaard, Pascal e Dostoiévski, juntando-os a figuras como Heidegger e Sartre. Na verdade, o que mais espanta é ter sido justamente Sartre a propor tal empacotamento, como a inserir-se numa corrente fictícia e pretendendo tê-los absorvido todos, sem que lhe fosse objetado de pronto o absurdo de imaginar uma evolução de Pascal a Sartre. Nota-se, por exemplo, que Sartre emprega argumentos como “l’existence précède l’essence” ou “l’homme n’est rien d’autre que ce qu’il se fait” com o objetivo de pintar um homem isolado de sua circunstância, criado a partir do nada e independente desde o princípio, algo visivelmente antagônico ao pensamento cristão. E são, decerto, semelhantes disparidades que separam Sartre de vários outros rotulados “existencialistas”. Imaginar uma “corrente filosófica” que os une é algo que só interessa ao próprio Sartre, e que não deveria convencer ninguém.

A inteligência principia com a capacidade…

Se, como está dito, a inteligência principia com a capacidade de maravilhar-se, decorre também que quanto mais se dissemina a noção de normalidade, mais difícil é para que a inteligência se manifeste. Quer dizer: a começar pelo próprio universo, passando pela natureza, pela sociedade até culminar nos detalhes do cotidiano, mirar tudo isso e tê-los como naturais, corriqueiros, em vez de espantar-se da sucessão extraordinária de fatores necessários para gerá-los, é mesmo coibir a manifestação do intelecto.

Parece mais proveitoso ao artista esse anseio…

Custa dizê-lo, mas parece mais proveitoso ao artista esse anseio frustrado por isolamento, que tem de aceitá-lo inviável e digladiar-se num cotidiano aparentemente inimigo, do que o isolamento efetivo, pleno e consumado. No primeiro caso, temos um espírito energizado pela circunstância; no segundo, um incentivo à inércia. No primeiro caso, um esforço que renova e justifica o anseio, que faz com que o artista valorize muito mais o isolamento quando parcialmente alcançado — porque esta é a verdade: seu anseio, na pior das hipóteses, pode sempre ser alcançado parcialmente, e com melhor proveito do que se pode supor.

Há coisas que só se aprende cedendo…

Há coisas que só se aprende cedendo, e só se aprende obrando pelo interesse alheio, coisas cujo valor aumentou sobremaneira por rarearem modernamente. Melhor que aprendê-las, contudo, é recordá-las pela prática mencionada, suplantando a armadilha de compreender uma realidade pobre em razão de compreendê-la somente na parte que se acha em torno de si.