É curioso como a mente, a despeito de desconhecer limites para a intensidade com que experimenta seus estados, dificilmente consegue reconstituí-los com precisão. Com muito maior facilidade relembra atos cometidos, mesmo que estes tenham gerado efeitos psicológicos menos intensos, ou até nulos. Isso parece demonstrar que os estados psicológicos marcam somente enquanto indutores de alguma ação real; e é esta, afinal, que os torna recordáveis. Disso se pode extrair um preceito muito útil: quando se quer que um estado de espírito perdure, deve-se agir sob sua influência; quando se quer esquecê-lo, basta confiar à inação o seu dissipar.
Quando se amadurece deveras…
Quando se amadurece deveras, à medida que o tempo vai subtraindo, à medida que a responsabilidade aumenta e o passado adquire peso e vulto, também se adquire a capacidade de desligar-se do acessório até que, enfim, a vida se torna mais simples. Esse processo, porém, é dependente da capacidade de entender-se e enxergar-se proporcionalmente no panorama da existência, algo que, naturalmente, resulta no dimensionamento justo, sem exagero nem demasiada modéstia, daquilo que se pode e que se deve fazer.
É tradicional da sabedoria indiana reforçar…
É tradicional da sabedoria indiana reforçar insistentemente a importância do presente, tendo em vista que, do passado, colhe a mente o remorso e, do futuro, a apreensão. Portanto, parece ser objetivamente impossível uma paz que não se resuma em uma imersão serena e anuente no agora, uma imersão que se satisfaz de si mesma. Mas ah, como ela é difícil! Aquele mínimo que falta, aquele querer que não é muito, mas é colocado num futuro hipotético, aquela felicidade real, plena, reconhecida, que pouco exige mas é distanciada do momento, tudo isso é, decerto, o enterro da paz. E a aflição que brota desta constatação, ou melhor, desta postura, é daquelas que não se vence, porque não se pode acelerar o tempo, nem viver o futuro no presente. Portanto, por mais que pareça difícil, e por mais que às vezes os sábios da velha Índia pareçam repetitivos, a verdade é mesmo só essa: o que há é simplesmente o agora.
O cunho ostensivamente edificante…
O cunho ostensivamente edificante da doutrina cristã do pecado é algo que talvez não tenha paralelo nas demais religiões. Ela fere o âmago do homem e lhe aponta o caminho justo de compensação às suas fraquezas, de maneira que, conhecendo-a, só podem ficar indiferentes o arrogante incurável e aquele que não a compreendeu. O satanista pode rejeitá-la, e mesmo desmantelá-la com argumentos; mas ocorre que, a despeito da firmeza e indignação de suas palavras, se lhe restar o mínimo de hombridade para, sozinho, no recanto mais íntimo de sua consciência, mirar-se e julgar-se, saberá que ela não fala de outro homem senão ele mesmo, e o caminho que aponta, a despeito da dificuldade, é decerto o caminho da redenção.