Parece impossível que não saia da literatura brasileira contemporânea as notas trágicas e a gravidade das quais historicamente careceu, agora que o país consolidou-se como líder mundial em homicídios. O contrário seria um atestado de morte para a literatura nacional. Se, ao menos relativamente, o Brasil foi poupado das grandes tragédias no passado, a realidade agora se impõe em forma de escândalo humanitário, de maneira tão violenta que apenas conscientemente o escritor pode ignorá-la. E ignorá-la, decerto, seria trair a sua profissão.
O contato frequente com fatalidades…
O contato frequente com fatalidades, especialmente as derivadas da brutalidade humana, é um elemento de efeitos decisivos num caráter. Grande parte da literatura e da filosofia não pode ser devidamente apreciada se o desconsiderarmos. Aquele que viveu o horror de uma guerra, por exemplo, vê-lhe a palavra adquirir um peso que, às vezes, é difícil de transmitir, porque a seriedade do que é dito só a capta aquele que também capta a experiência motivante, sendo esta parcialmente alcançável por um esforço imaginativo, mas nunca, nunca tão intensa como a real. Há autores submetidos a uma dose de ossos, sangue e misérias cujo caráter, se nos estranha, é sinal de que não estamos aptos a analisar.
Ao homem nunca é dada a possibilidade…
Ao homem nunca é dada a possibilidade de fazer tudo aquilo que quer, mas, igualmente, nunca lhe é negada de todo a possibilidade de agir. Tudo fica sempre entre estes dois extremos e, na maioria das vezes, pode-se fazer mais do que se supõe. Não se pode, porém, agir no pretérito ou avançar no tempo, e tais impossibilidades frequentemente constrangem. Tais impossibilidades, em verdade, só podem constranger, e enquanto não se aprende a desprezá-las, não se valoriza o muito, o até sobejo que se pode aproveitar.
É interessante notar que algumas personalidades…
É interessante notar que algumas personalidades fundam-se num elemento irracional que, embora possa parecer às vezes absurdo, opera como unificador. Só de imaginar-lhe ausente, o ser inteiro desmorona. Contudo, o atributo de loucos frequentemente recebido é, se não falso, extremamente simplista. Porque o mesmo irracional que atira nas contradições mais escandalosas, que induz a erros incríveis, que turva a razão e descontrola, é também responsável por uma coesão, por uma energia e por uma resistência que parecem sobre-humanas. Personalidades assim, incomuns, mas existentes, invalidam os manuais de comportamento e, afinal, enriquecem o conceito que se faz do homem.