Algum escritor, certa vez, deu a sensata recomendação: uma obra de cada vez. E, sem dúvida, concentrar o espírito em uma única produção só pode acelerá-la, intensificá-la, sendo assaz benéfico para a criação. Mas é possível ser fiel a esta regra? Fazendo prosa, talvez. Já com a poesia, a situação muda, e quando os versos planejados ultrapassam algumas centenas, a mente parece rogar por uma válvula de escape na qual possa despejar linhas e linhas e experimentar o alívio da fluidez. Sem esta válvula, em pouco a improdutividade, somada às ideias que se acumulam num depósito fechado, começam a torturar. Ao poeta, praticar a prosa parece psicologicamente essencial.
O ambiente cultural da Rússia em meados…
O ambiente cultural da Rússia em meados do século XIX chega a parecer fantástico. Não apenas pela pujança, pela efervescência dos debates, pelas consequências práticas que as ideias em circulação adquiriam, pela censura atuante, pelas controvérsias, pelos eventos políticos… mas espanta, primeiro, o quilate dos autores que publicavam na imprensa, — uma imprensa que ainda abrigava muita, muita literatura, e ostentava uma plêiade que a Rússia jamais produzira e jamais produzirá; — depois, a relevância do que se discutia, a importância histórica das discussões. O entusiasmo com que tudo isso se dera provou-se inteiramente justificado, e faltam palavras para descrever o contraste com o que se passa na imprensa atual. É didático, porém, notar os resultados explosivos que se seguiram de tal vigor.
As preocupações e os pequenos erros…
Felizmente, as preocupações e os pequenos erros, mesmo se abundantes, passam sem que nenhum esforço seja realizado para tal. Simplesmente passam, e com uma facilidade que, às vezes, parece milagrosa. Então, mente fresca, ânimo restaurado, há uma nova oportunidade para retomar a atenção ao principal. O mais difícil, frequentemente, é sustentar com paciência essa certeza: há momentos em que a vista escurece, e o mais que se pode fazer é conter-se e esperar.
É característico de diversos autores…
É característico de diversos autores o expressar-se comedidamente, mais sugerindo que propriamente expressando o que querem. Nalguns casos, decerto a sugestão funciona, e talvez diga mais do que a expressão direta poderia dizer. Mas esta técnica, se empregada sempre, redunda num vício que prejudica ainda mais o autor do que a obra. É um vício que, sempre que o verbo nasce inflamado na mente, rejeita sua expressão inflamada no papel. E então é como se, ao autor, fossem proibidos determinados modos de dizer. Não se trata apenas de uma limitação óbvia, mas da privação de experiências artísticas importantíssimas: uma única vez que o escritor rompa todas as amarras e force o espírito a expressar com intensidade máxima aquilo que pretende, perceberá que ali, no ato de criação, algo diferente aconteceu; mas, sobretudo, perceberá que, concentrando-se inteira e sinceramente nisto, algo diferente sempre acontece.