Deve ser uma tarefa um tanto desagradável a do historiador que, dispondo-se a narrar a biografia do grande homem, não pode dela ocultar a ação sempre presente e sempre odiosa dos homens medíocres que o invejam e o tentam derrubar. E, afinal, parece não ter havido historiador a livrar-se deste encargo, visto que, para eximir-se de invejosos, o homem de talento teria que se não mostrar jamais. Algum destaque, dá-se o implacável provérbio japonês. Não há, mesmo, esforço maior do que aquele necessário para, conhecendo o mundo, não maldizê-lo; o otimismo refletido é uma tremenda e meritória obra intelectual.
De um autor tolera-se tudo…
De um autor tolera-se tudo, salvo a desonestidade. Falhar neste ponto é anular tudo quanto se produz. Como leitores, a mera sensação de que há numa obra intenções camufladas e que estamos a ser enganados é motivo suficiente para que a atiremos para longe; afinal, como fazer de bom grado papel de palhaço? Se não podemos, salvaguardados pela sinceridade do autor, dar-lhe o crédito necessário para uma leitura proveitosa, o melhor é abandoná-lo. Há, decerto, uma infinidade de outros autores que cumprem este requisito e têm muito a nos ensinar.
Cotejar o noticiário com os livros de história…
Cotejar o noticiário com os livros de história é algo extremamente educativo, por demonstrar absolutamente infundada essa sensação de premência, de que algo determinante está sempre a se passar. Quão pouco sobra destas ninharias! E nem é preciso valer-se da história: abrimos jornais de outros países, e verificamos a mesma inclinação, talvez demandada pelo marketing, de apresentar tudo como importante, enquanto nós, cá no fim do mundo, sequer conhecemos o grosso dos atores pintados como relevantíssimos. É, quase tudo, exagerado, quando o que realmente importa não se encontra em jornal nenhum.
Nelson Rodrigues gostava de repetir…
Nelson Rodrigues gostava de repetir que só um gênio seria capaz de tirar a inteligência brasileira do tédio. E enquanto viveu, percebe-se hoje, havia no Brasil uma inteligência passível de ser chacoalhada. Dir-se-ia, até, de que necessitava menos que um gênio para se movimentar. De lá para cá as obras perderam, se não força, efetividade. E para não repisar a ociosa crítica à inteligência inerte, o que salta aos olhos é a ausência de entusiasmo intelectual. Que há obras, que há autores, tem de os haver. Mas tornou-se dificílimo encontrá-los, quer pelo desinteresse generalizado, quer pelo falso interesse promovido sobre algumas obras. O resultado é haver barreiras e barreiras prejudicando o contato entre o autor e possíveis leitores. Estes, parece, ainda que tentassem encontrar o gênio, se renderiam aos obstáculos da procura.