Por todas as vezes que gargalhei…

Por todas as vezes que gargalhei

Por todas as vezes que gargalhei do temperamento explosivo de Cioran, de sua maravilhosa fúria na fila de mercearias e inúmeras outras situações que recordo-me sempre em risadas, parece que estou, agora, a pagar por elas, e parece direcionarem-me gargalhadas do céu. Todas as banalidades estúpidas que me compõem a rotina, a porta que deve abrir para que eu saia de casa, a balança que deve funcionar para que eu pese e compre comida, o sol que deve altear para que eu saiba ser dia… todas essas coisas banalíssimas, que sempre funcionam porque têm de funcionar ou, melhor dizendo, todos os seres humanos cuja função de alguma forma me afeta, juntos e ao mesmo tempo, deixam de cumpri-la, mas com o capricho de interromperem-me a rotina e estorvarem-me com problemas os quais não tenho meios para resolver! Cioran certamente gargalha; é o preço: agora é minha vez de fazê-lo rir… Mas é incrível notar a impossibilidade da paz neste mundo. Buda é um personagem folclórico: no mundo real, haveria alguém para tirá-lo do sério e arruinar-lhe o progresso espiritual.