É conhecida a trajetória que levou o pensamento moderno a desconectar-se da realidade. Contudo, não deixa de espantar a força real e patente adquirida por alguns conceitos na mente moderna, muitos deles recém-fabricados, os quais se apresentam sem dizerem respeito a nenhuma realidade objetiva. Imaginar um filósofo a mergulhar-se e ocasionalmente perder-se em abstrações é algo natural; quando, porém, observa-se o grosso da sociedade a fazê-lo, isto é, o grosso da sociedade a raciocinar por conceitos autocontraditórios, por vezes escandalosamente vazios e impossíveis, é algo que se afasta da filosofia e escapa à normalidade. Aqui, só se pode compreender algo apoiando-se na psicopatologia e na engenharia social. Cria-se um conceito; este, fortemente estimulado, ganha vida própria, e então é disseminado como um vírus. Ninguém o compreende racionalmente; mas, ainda assim, consegue-se fazer com que as pessoas o sintam, com que desperte sentimentos e, portanto, com que seja efetivo. E brota, da histeria compartilhada, a validação impossível. O que mais escandaliza é ter-se tornado o processo comum e não escandalizar… Que transformação!
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Talvez o maior problema educacional…
Talvez o maior problema educacional do mundo moderno, verificado especialmente nas metrópoles, é crescer o homem num ambiente quase isento de preocupações e necessidades imediatas, o que prejudica sobremaneira a sua percepção. O homem pré-histórico, por exemplo, via-se forçado a estar atento a ameaças constantes, a planejar o futuro para prevenir-se de intempéries, sabendo que o descaso poderia ser fatal. Se comia, sabia muito bem de onde veio sua comida, e também sabia o que era preciso fazer hoje para comer amanhã. Já o homem moderno, as imensas facilidades que o rodeiam não se acompanham da noção da dificuldade monstruosa para torná-las acessíveis. E assim ele cresce tomado por uma enganosa sensação de conforto, crendo a realidade garantida, sem a colaboração do ambiente lhe apontando como as coisas se dão.
A inconsequência é um excelente prenúncio
Algumas vezes, na juventude, a inconsequência é um excelente prenúncio, por demonstrar que o jovem trata de gastar logo o seu quinhão de estupidez. Se se poderia argumentar que para esta não há limites, também se há de reconhecer que há um dispêndio mínimo obrigatório, e até indispensável, o qual quanto antes despendido, melhor. Certas tolices, uma vez cometidas, ensinam muito; mas há fases que anulam o benefício de suas lições.
É bem sabido que, do nascimento à vida adulta…
É bem sabido que, do nascimento à vida adulta, todos somos submetidos a uma sucessão de fases, ou problemas, passíveis de uma esquematização que parte desde a consciência do meio e da individualidade, até problemas mais complexos como a racionalização das emoções ou a integração social. Todos o experimentamos, embora em idades que possam variar e em circunstâncias certamente diversas. Nisso percebemos que pode ser estabelecida, também, uma hierarquia de problemas, dos mais básicos aos mais complexos, geralmente atrelados a faixas etárias, de forma que, para lidar com problemas mais altos na hierarquia, é preciso ter superado, ainda que provisoriamente, os problemas anteriores. Tal avanço envolve uma mudança gradativa nos focos de interesse, uma mudança natural e necessária, exigida pelo próprio amadurecer. É impróprio ao adulto ainda digladiar-se, por exemplo, por autoafirmação, visto que é este um problema característico da adolescência. Igualmente, uma crise existencial verdadeira é característica de um adulto maduro e bem formado. De tudo isso, nota-se o seguinte, raríssimas vezes observado pela crítica literária: o artista, por mais hábil que seja, se se concentra em problemas mais básicos e mais universais, seguramente atingirá um público maior e será melhor compreendido; contudo, a sua obra simplesmente não poderá sustentar o interesse de alguém com o conhecimento da relevância de tais problemas e de sua posição na hierarquia geral, alguém para o qual tais problemas já se encontram há muito superados, e portanto cujo interesse voa por altitudes muito superiores. Daí que não há como fugir: o artista, para ser realmente grande, não pode se limitar a servir o grande público.