É difícil imaginar um estado prolongado…

É difícil imaginar um estado prolongado em que a personalidade não seja perturbada por elementos conflitantes. Tais perturbações, de ativação externa ou interior, não podem ser totalmente vencidas. O que elas podem, decerto, é ser toleradas, analisadas, absorvidas. E a personalidade faz-se com quanto perdura após o confronto com elas. Meditando-se um pouco, às vezes causa indignação notar que muitas vezes o choque é gratuito e prejudicial. Mas aí se percebe que a personalidade é um esforço, e vê-se o mérito em persistir em sua depuração.

Do ponto de vista instrutivo…

Do ponto de vista instrutivo, o mau exemplo tem a vantagem de escandalizar. Por isso, grava-se mais facilmente na memória, e às vezes impacta com tanta força, que recordá-lo causa imediata repulsa e elimina a possibilidade de sua repetição. Assim, há casos em que é muito mais eficaz para transmitir uma lição a qual os melhores exemplos apenas arranhariam se tentassem fazê-lo. Do escândalo não se esquece, e nem se imuniza.

O contato frequente com fatalidades…

O contato frequente com fatalidades, especialmente as derivadas da brutalidade humana, é um elemento de efeitos decisivos num caráter. Grande parte da literatura e da filosofia não pode ser devidamente apreciada se o desconsiderarmos. Aquele que viveu o horror de uma guerra, por exemplo, vê-lhe a palavra adquirir um peso que, às vezes, é difícil de transmitir, porque a seriedade do que é dito só a capta aquele que também capta a experiência motivante, sendo esta parcialmente alcançável por um esforço imaginativo, mas nunca, nunca tão intensa como a real. Há autores submetidos a uma dose de ossos, sangue e misérias cujo caráter, se nos estranha, é sinal de que não estamos aptos a analisar.

Quem se atenta para a fragilidade das relações…

Quem se atenta para a fragilidade das relações humanas percebe que nelas não se pode confiar. Às vezes chega a parecer que elas, todas elas, nascem condenadas a morrer. As que aparentam bem-sucedidas, basta aguardar para ver o dia em que, de repente, a confiança se quebra, e então tudo acabou. Nem é preciso tanto: por muito menos, por vezes a relação azeda, segue-se o natural afastamento e, quando menos se percebe, já se dera o rompimento total. Nunca, nem a melhor, a mais duradoura das relações, está demasiado segura de um fim intempestivo. Entristece notá-lo, mas as coisas são assim.