O desconforto espanta a futilidade…

O desconforto espanta a futilidade com uma eficácia tão absoluta que, muitas vezes, sua chegada revela-se providencial. Sem ele, quantas empresas não seriam preteridas, quantas decisões não seriam jamais tomadas, quantas biografias deixariam de ser? Assim que se tem de valorizá-lo enquanto elemento motivante, em vez de ceder ao impulso mais corriqueiro de reclamar. Quando se lhes analisa as obras, quer em abundância, quer em qualidade, o desconforto submete completamente o conforto.

A experiência das guerras do último século…

A experiência das guerras do último século marcou de tal forma a literatura que, às vezes, provoca-nos tédio vê-la novamente relatada, uma vez que já nos encontramos tão distantes e ela já foi há muito tempo assimilada. A verdade, porém, é que ela não foi de forma alguma assimilada ou, pelo menos, as gerações que hoje vivem não se apoiam sobre suas lições. Era de se esperar que, com tantos relatos, com tantos exemplos de intelectuais jogados como prisioneiros, e que tomaram esta circunstância como combustível para a própria vocação, algo mudasse na compreensão humana da existência, e que daí surgisse, no mínimo, uma geração vacinada contra os erros do passado recente. Mas não, não… é um mito essa coisa de que uma geração parte do ponto alcançado pela precedente. Hoje, há de se ler e reler os relatos passados como experiências que provavelmente voltarão.

Analisando a minha obstinação…

Analisando a minha obstinação com aqueles temas que dão as notas mais insuportavelmente pessimistas de minha ficção, a saber, a violência, a insegurança, a feiura do ambiente e a incultura como norma, vejo que, instintivamente, acabo acertando aquilo que mais se distingue e mais importa nas últimas décadas. Nada há de original em nenhum destes temas; contudo, a virulência com que eles se impõem no cotidiano atual, todos eles de alguma forma interligados, e todos eles com ramificações incalculáveis, é algo que há algumas décadas não poderia ser retratado, por não corresponder à realidade. E mais importa fazê-lo agora porque mais se tenta ocultar o quão deprimente é o estado em que o Brasil se meteu. Não é possível olhar tudo isso sem o máximo espanto: um país que objetivamente alia as maiores taxas de homicídio com os piores níveis de educação do planeta… Dizê-lo e retratá-lo é, mesmo, desagradável, e não pode senão despertar antipatias. Mas alguém tem de fazê-lo, ainda que por consideração às vítimas desta catástrofe.

Em meados do último século…

Em meados do último século, não eram poucos os autores que recordavam saudosamente a belle époque, lamentando uma deterioração generalizada que abrangeu da arte ao cotidiano, das oportunidades aos costumes, da qualidade de vida às relações pessoais. Na maioria dos casos, o lamento partia de autores que viveram a infância no referido período, e portanto adicionavam ao contexto a lembrança de suas mais afetuosas memórias infantis. A geração seguinte, nascida no pós-guerra, que cresceu ouvindo de seus pais as histórias dos tempos passados memoráveis, é hoje a que relata com saudade os costumes que se perderam, as oportunidades que abundavam e o ambiente que se foi. Curiosamente, a geração que hoje vive a maturidade, se ainda não lamenta os tempos áureos de outrora, já pode pressupor com segurança que bastarão alguns anos para que comece a fazê-lo, em vista da atual degradação, também visível e generalizada. Que dizer?