O século XXI talvez tenha operado a mais drástica mudança comportamental de toda a história, e a evidência disto é o contraste patente entre as últimas gerações. Recordo-me a infância e a juventude e comparo-a com a atual: o jovem que fui aparenta de outra espécie. Mas engraçado! O jovem que fui presenciou, vivendo, esta mudança. O que experimentei, na rua, já praticamente não existe, e mesmo para mim deixou de existir. Entretanto, a escola de que fui aluno desde cedo e, aos quatorze ou quinze anos, deu-me o diploma após me exigir todas as manifestações mais extremas da licenciosidade, fazendo-me o sangue experimentar picos de adrenalina que jamais sentirei novamente e treinando-me para a vida, parece morta. Digo isso porque, após certa idade, já se não entra nessa escola: a idade traz facilitadores que inviabilizam o aprendizado real. E os jovens de hoje, trancados, protegidos das emoções e dos perigos da rua, crescem ignorando-a. Mas aqui está o contraste maior: aos vinte, eu via-me um velhaco cansado do mundo; aos vinte, um jovem de hoje vê-se inapto ao mundo e, por vezes, — oh, tragédia! — louco para experimentar.
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Opera, sempre, a lei dos mais fortes
Calar manifestações dissidentes ou, menos ainda, manifestações tão só diferentes não é novidade nenhuma. Mas fico aqui a pensar se, neste mundo, haverá algum dia reprimenda para tal agressão. Penso automaticamente na língua, a serviçal da vaidade humana. Sairá, talvez, algum estudo condenando-lhe o movimento, comprovando-lhe o caráter nocivo, evidenciando-lhe o papel como indutora da ação agressiva? Provavelmente não. E provavelmente nunca o homem médio será capaz de barrar o impulso evolutivo odiento de calar, humilhar, submeter, destruir aquele que enxerga como adversário. Opera, sempre, a lei dos mais fortes, e o ataque parece a única e melhor defesa… Ao vencedor, as batatas!
É necessário reflexão prévia e regular
A gritaria coletiva, iludindo sobre as grandes questões da vida, joga areia no espírito humano e desvia-o do essencial. O sujeito que passa os dias distraindo-se e julgando importantes problemas de segunda categoria, quando atingido violentamente por uma grande questão, perde o controle: simplesmente não se preparou. Para saber lidar com os grandes eventos, não se deixando agir estúpida e impulsivamente quando surpreendido, é necessário reflexão prévia e regular. E a reflexão, por sua vez, exige o distanciamento da gritaria coletiva. Ultrapassando a fronteira do julgamento, a análise individual do rebanho acaba inspirando uma gigantesca compaixão…
Gritando diante de uma tela
Tento concentrar-me numa leitura difícil e o vizinho, gritando diante de uma tela, esmurrando as paredes, pisando forte de um lado para o outro, não quer deixar. O texto é cristão, mística cristã. E ao invés de lê-lo, absorvê-lo, reflito se devo ou não perdoar o animal que berra sem parar. Irado, ele quebrará alguma coisa, tenho certeza. Pronunciou, em cinco minutos, todos os palavrões que conheço. Parece o lateral-direito do time ter feito qualquer bobagem. Gol do adversário. Socos, berros, novos palavrões. E o meu abafador de ruído somente abafa a porcaria do ruído. Devo perdoá-lo? Tento pensar e um insulto invade-me a mente. O animal arrisca uma parada cardíaca por nada, e o espetáculo perde a graça porque coloca meu quarto a tremer. Perco completamente o fio da narrativa e a paciência. Atiro o livro a qualquer canto e deixo que o juízo me convença: o “próximo” inviabiliza qualquer argumento cristão.
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