O embate entre vaidade e consciência

Algumas naturezas chegam a impressionar pela ausência completa do embate entre vaidade e consciência. Talvez pela própria tibiez da consciência, o que justifica vê-la absolutamente ignorada pelas correntes mais populares da psicologia. Em alguns, ela parece simplesmente se não manifestar. Mas incrível pensar em alguém que, nem uma única vez na vida, orça a mesquinhez da própria conduta, dos motivadores da própria “vontade”. Fazê-lo e não proceder com a condenação seria compreensível, mas o fato é que, na maior parte das pessoas, não há o menor vestígio do conflito.

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Um animal inadaptado [2]

Forçado a esperar numa fila, sem nada para ler, aproveito o momento em divertida atividade: arriscar uma lista das coisas que mais detesto. Vamos lá: (1) dissimulação, (2) burocracia, (3) demagogismo, (4) grupos de pessoas, (5) marketing, (6) expansividade, (7) ruído de vozes humanas, (8) conversação fútil… Listo e tenho uma ideia. O sorriso é imediato. Novamente, percebo-me um animal inadaptado. Considero, talvez, que minha existência seja um enigma evolucionista. Possuo incontáveis manifestações contrárias ao meio, de forma que arrisco minha própria natureza ser o retrato da inadaptação. Em mim, o intro e o extra relacionam-se em hostilidade, repelem-se de forma total sem que haja qualquer conciliação possível. Nego, recuso-me deliberadamente a integrar o meio, ainda que falhe e seja perseguido de forma insuportável. Lembro-me das palavras de Thoreau: “Wherever a man goes, men will pursue and paw him with their dirty institutions, and, if they can, constrain him to belong to their desperate odd-fellow society”. Oh, vida irritante! convenções insuportáveis! falatório estúpido!… Adeus, nota, até você causa-me fastio.

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Um animal inadaptado

Uma vez a cada dois anos, sou forçado pelo Estado brasileiro a sair de minha casa e dirigir-me a uma seção eleitoral. O Estado, autoritário, obriga-me sob a ameaça de complicar-me a vida, caso não cumpra com a obrigação que contraí sem nunca ter assinado um termo de consentimento. Por isso, religiosamente, uma vez a cada dois anos estou, a pé, dirigindo-me a um lugar que não quero, para enfrentar uma longa fila que me desgosta e digitar números que não me agradam em uma urna eletrônica. Assim procedo desde a maioridade. Pois bem. Dado o pretexto, a piada: notei, neste 2020, jamais ter votado em um candidato que venceu para nenhum cargo, seja municipal, estadual ou federal: sempre escolho o que perde. Penso e automaticamente o sorriso brota-me na face. Alegro-me toda vez que noto uma evidência de que não sou como as outras pessoas. Tenho, pois, nova confirmação do que já sei: sou um animal inadaptado, não tenho nenhuma semelhança de ideias, temperamento ou qualquer outra coisa com as pessoas que me rodeiam. E se o futuro do Brasil depender de que eu acorde num domingo, enfrente uma fila e eu tenha direito de escolha (o que, naturalmente, não tenho, a despeito das aparências), o país está lascado…

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É incrível como a necessidade de dinheiro piora a existência

É incrível como a necessidade de dinheiro piora a existência. Forçada, a maioria tem-na como natural, mas a verdade é que é escrava sem sabê-lo. Naturalmente, alguns não partilham da mesma sorte. E que peso não carregam nas costas! Saber-se necessitado do dinheiro induz a uma tortura psicológica interminável. “Por quanto tempo? Quando me libertarei?” E pior quando a carência abocanha-lhe o grosso da rotina, que é o caso mais comum. Muitos não percebem, anestesiados. Mas viver a cumprir um contrato, a ter obrigações para honrar, a fazer religiosamente o que jamais faria se não precisasse… isso, por acaso, é vida?

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