E. T. A. Hoffmann no século XXI

Sorrio imaginando o juiz E. T. A. Hoffmann: juiz, nas palavras de Carpeaux, “dos mais honrados e — em tempos difíceis de reação política — dos mais independentes que houve jamais na Prússia”. Sorrio imaginando esse juiz em nosso estimável século. Quero dizer: o juiz, que também era habilíssimo narrador, seria facilmente destruído pelas hordas imbecis e invejosas que, nestes tempos, divertem-se arrasando vidas e carreiras. Engraçadíssimo seria, por exemplo, o enredo de Die Elixiere des Tenfels, romance primorosamente arquitetado, adaptado aos nossos dias: um pastor evangélico possuído pelo diabo é conduzido ao assassinato e ao incesto, logrando não só camuflar os próprios crimes, como galgar posições na pirâmide social. Pergunto: é ou não é divertido imaginar o que aconteceria com a reputação desse juiz caso tivesse-lhe o romance divulgado? Teria ele condições de, por exemplo, ser nomeado à Suprema Corte? O honrado juiz, neste século, aprenderia o que é ser democraticamente linchado.

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É com ele que eu vou!…

Não há ironia assaz potente para expressar toda a alegria destas linhas, agora, envoltas em animadíssimos jingles. A verdade é que as palavras, estimuladas, já estão a dançar. Oh, linguagem, como comoves quando bem talhada! Futuro, trabalho, melhor, de verdade, de verdade, como a gente, diferente, diferente… A esperança é a mais nobre entre todas as nobilíssimas dádivas concedidas ao nobre espírito humano. A face, quando sorri em retorno à promessa, exibe a virtude da alma apta a confiar na irmã de bênção. E, juntas, em harmonia, são ambas predestinadas a edificar o Bem-Aventurado Empíreo Municipal!

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Carência insuperável

Como ser livre se uma mínima desatenção expõe uma carência vivíssima que parece inerente à própria condição humana? Quer dizer: sem um monitoramento constante, uma atuação racional ininterrupta e o cérebro a barrar as manifestações vergonhosas de dependência e trilhar conscientemente o próprio caminho, o ser humano adota uma postura de insuficiência total. E terão de fantasiar para achar valor onde não há independência…

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A “terapia motivacional”

Espanta verificar que, exatamente no século imediato à erupção dos gênios da psicologia moderna, faça tanto sucesso a chamada “terapia motivacional”. “Superar problemas”: eis a impossibilidade — quando, obviamente, consideramos traumas psicológicos reais — transformada em produto na era do marketing. Quando surgem os meios para um aprofundamento drástico na compreensão da psicologia do ser humano, da origem dos traumas e havendo a possibilidade de utilizar a cognição para minorar seus efeitos indesejados, reduzir-lhes os meios de ação — e jamais superá-los, eliminá-los, — o homem vira as costas ao conhecimento e opta pela senda da infantilidade, troca a prudência analítica pela psicologia feliz, a psicologia cuja prática resume-se em “pensar positivo” e agir feito uma criança frente aos traumas que avassalam, por vezes sem emitir sinal. Tudo parece evidência de que gênios, quando surgem, fazem-no em vão…

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