Tudo indica que completarei um ano inteiro de dedicação exclusiva a quinze míseros poemas ou, mais precisamente, a uns mil e setecentos versos. Ria, Hugo, ria! E, no fim do processo, não haverá publicação, pois é preciso que os versos descansem — ainda que pareça ser isso o que têm eles feito nos últimos meses. Não fossem estas notas um eficacíssimo meio de dar vazão a ideias que surgem e se vão amontoando, já me veria diante de uma montanha inexpugnável de anotações. Tenho, por baixo, uns quarenta contos perfeitamente idealizados que não me exigem mais que um dia de trabalho para realizarem-se no papel. Além disso, já não sei quantos enredos para romances, peças ou o que for. Até para poemas, há excessos que não puderam ser aproveitados neste volume. E fico aqui a imaginar como, no passado, artistas que não dispunham de secretários organizavam-se após dez, vinte anos de trabalho criativo. Sem um computador, parece-me que eu seria forçado a desistir…
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Em português, a beleza e precisão do discurso…
Em português, a beleza e precisão do discurso, seja em prosa ou em verso, dá-se principalmente pela boa escolha dos verbos. Estes, bem selecionados, dispensam advérbios e evitam perífrases, só justificáveis quando pede a cadência. Impressiona notar a quantidade de verbos do idioma, algo que obriga um estudo apurado e constante ao artista sério, que só os dominará talvez após longos anos de esforço. Flaubert, se escrevesse em português, provavelmente dedicaria a eles, e não aos substantivos, a sua obsessão.
Há muitas vantagens em se publicar voluminhos…
Há muitas vantagens em se publicar voluminhos com regularidade em vez de deixar a obra crescer indefinidamente. A primeira delas é a distribuição mais tolerável do trabalho de revisão. Outra delas e, talvez, a principal, é que não se sabe quando chegará a morte, e é bom evitar o risco de ter publicados trechos que jamais passariam pela mais falha e desatenta revisão, como se vê aos montes nos Diários de Kafka. Que ironia! Kafka, que adorava taxar de mau e queimar o que escrevia, teve publicada integralmente, com erros óbvios e muitas linhas ociosas, uma obra que provavelmente atiraria à fogueira. Sem dúvida, é algo que poderia ter sido evitado.
O poeta converte-se com facilidade em bom prosador
Já notaram que o poeta converte-se com facilidade em bom prosador, enquanto o contrário dificilmente acontece. Comparada à prosa, a poesia apresenta um nível de dificuldade tão superior que ao poeta aquela parece-lhe quase brincadeira. Para compor versos é preciso, em primeiro lugar, estar num estado de espírito propício, isto é, num estado de espírito que permita concentrar-se inteiramente na composição. Dispersa, a mente não faz poesia. Em seguida, a lentidão no compor, as dificuldades técnicas, o grande número de elementos que se devem harmonizar na criação, tudo isso, com o tempo, acostuma o espírito a uma paciência e uma disciplina que, para fazer linhas em prosa, está muitíssimo além do necessário. Faz-se prosa à força; prosa fluida e natural. O simples movimentar dos dedos é suficiente para estimular a criação mental que, como por automatismo, registra-se ao mesmo tempo que vai sendo criada. Quão diferente é fazer poesia! O prosador acostumado com essa facilidade quase terapêutica, se arrisca-se a compor versos, encontrará algo muito, muito diferente…