Tenho modelos; modelos escolhidos conscientemente e incorporados à força em minha literatura; modelos que representam, segundo o meu juízo, o que há de esteticamente melhor em todos os gêneros. Mas um modelo é, se muito, uma inspiração, uma influência para uma criação diferente. Não consigo sequer imaginar a sensação de alguém como Baudelaire, que encontrou a própria teoria estética descrita por Poe. Como é possível? Talvez seja, aqui como em tudo, uma questão de sentir algum pertencimento, ser ou não capaz de experimentar uma identificação plena — uma questão, em suma, psicológico-existencial.
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O artista deve empregar todos os meios de que dispõe…
Já disseram — Pessoa? — que o artista deve empregar todos os meios de que dispõe para dar luz à própria obra. Do contrário, as dificuldades não serão vencidas e, provavelmente, ela não sairá. É mister que o artista construa um ambiente propício, molde-lhe a vida em redor do objetivo central; que tenha um horário diário reservado à obra, horário que represente o cerne da rotina e ao qual chegue, todos os dias, em sua melhor disposição. Isso por anos a fio, por quanto lhe durar a existência — sempre ciente, como o era o próprio Pessoa, de habitar o presente pertencendo integralmente ao futuro.
A lição de Dostoiévski
Se há algo instrutivo em Dostoiévski, que deveria ser aprendido por todo artista, é o fato de que o cristão Dostoiévski, quando coloca palavras na boca de um niilista, deixa de existir. Isso é arte; é pré-requisito para uma obra que se tencione convincente. Se tomamos isoladamente Os demônios, por exemplo, essa obra magnífica em que o niilismo talvez nunca se tenha expressado de forma tão eloquente e multifacetada, o cristão Dostoiévski aparece tão acanhado, em meio a vozes múltiplas e fortíssimas, que aparenta quase inexistente. É por isso que muitos taxaram Dostoiévski, o cristão, de niilista. E é por isso que sua obra, suscetível de interpretações intermináveis, é um dos tesouros mais autênticos da literatura universal.
Rotina e planejamento
Não é possível exagerar os efeitos positivos da rotina e do planejamento na execução de uma obra difícil e demorada. Poder-se-ia dizer de ambos mandatórios, não houvesse, como sempre, exceções que invalidam a regra. O planejamento transforma a imensidão do trabalho em pequenas tarefas; graças a ele não há pensar quando se deve simplesmente executar; ele facilita, direciona o esforço, ilumina o caminho a ser percorrido, veta de antemão frustrações injustificadas — e a lista poderia ser aumentada ao infinito. Da rotina, escusado é dizer da força do hábito: a rotina representa a vitória antecipada sobre todas as barreiras psicológicas; é a certeza do avanço e a conversão da efetivação do planejamento numa questão de tempo. Em resumo: rotina e planejamento são armas que arrasam dificuldades e garantem o enfoque no objetivo final.