Os homens das letras

O determinismo é repugnante. Em todas as suas inumeráveis manifestações, sempre se apresenta em aspecto medíocre e infame. Entretanto, há coisas que causam espanto. Por exemplo, os homens das letras. Vislumbrar toda a conjuntura que enfrentam, e ainda assim dedicam uma vida à construção de uma obra… Privações, renúncias, angústias, humilhações… E lá estão eles, superando obstáculos, com uma determinação injustificável, diante de um horizonte isento de qualquer compensação, trabalhando dia após dia. A explicação só reside numa espécie de dever, incompreensível para a maioria e que excede o senso racional. A motivação individual pode muito bem conduzir a insanidades, desde que se abstenha do uso da razão. Difícil não dizer destes homens estimulados por algo que lhes extrapola…

Um roteiro cinematográfico vale-se pela estrutura

De forma intempestiva, ponho-me novamente a escrever roteiros cinematográficos. O trabalho do momento, que começava a engatinhar, é interrompido. E não sei o que sentir. Perspectivas, tenho poucas, seja lá o que esteja criando. Mas a facilidade em cuspir páginas de roteiro salta aos olhos quando comparada à agonia da criação literária. O roteirista vê-lhe o trabalho avançar, todos os dias, e encontra manifesta satisfação. Um roteiro, a bem dizer, vale-se pela estrutura, pela eficácia na distribuição das cenas dentro de um formato predefinido e pela força na exposição de um arco dramático. O roteirista debruça-se na demarcação estrutural do texto: define o conflito, sua progressão ao longo da trama e seu desenlace; então o distribui em cenas, com posicionamento e extensão em conformidade com o arco dramático e o formato da obra. Depois é só formalizar ou, melhor dizendo, transformar o diagrama em texto. Com personagens bem definidos, os diálogos brotam com facilidade espantosa, em infinitas variações. Decerto, são eles em grande medida adaptáveis, substituíveis: o roteiro, que não é senão o esboço de uma obra, vale-se pelo próprio esboço. E eu, de artista, torno à função de diagramador.

Mero exercício de transcrição

A sensação de ser capaz de escrever infinitas páginas, somente transcrevendo a guerra psicológica permanente e seus capítulos intermináveis. Conflito implacável, aflição contínua, tranquilidade que quase nunca vem… Palavras do mestre oportunamente relembradas: “Toda a minha vida falei calando-me e vivi em mim mesmo tragédias inteiras sem pronunciar uma palavra”.

____________

Leia mais:

A explosão de um conflito interior insuportável

Contraposta à representação de fenômenos externos, percebo a grande arte como a explosão de um conflito interior insuportável. Quer dizer: o artista imprime aquilo que o atormenta ou o objeto de seu desejo irreplegível. Obsessões psicológicas, sentimentos que o atacam violentamente… a grande arte é consequência de uma guerra interior. Exatamente por isso, é raro que se apresente como agradável. Intensidade nada tem que ver com paz…

____________

Leia mais: