A ilusão de liberdade poética

A evolução da poesia ao longo dos séculos passa-nos uma falsa ilusão de liberdade angariada, deixa parecer a nós que, no decorrer dos séculos, os poetas foram paulatinamente se livrando das amarras dos versos até alcançar o verso livre.  Em parte, os poetas provaram-se capazes de quebrar antigas convenções, introduziram novos recursos expressivos (o enjambement, por exemplo) e alargaram as possibilidades estéticas da poesia. Mas é falso que pensar que, sentando-se a compor, o poeta sente-se livre quanto à forma, mesmo em verso livre. Isso, é claro, se for bom poeta. Mas por quê? Porque ainda que abra mão da métrica, das rimas, varie as estrofes e extrapole os limites do verso, o poeta estará preso ao ritmo. Se pretender compor um bom poema, não é livre para colocar as palavras onde quiser. Ritmo, balanço entre sílabas tônicas e átonas, movimento cadenciado de sons: no dia em que for considerado bom o poema que ignore esses princípios, seremos todos — de analfabetos a filisteus — grandes poetas.

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O problema da originalidade

Interessante como o dever de originalidade assombra o escritor médio. Quer dizer: antes de expressar-se com sinceridade e potência, tem de ser original. Mas a originalidade, a menos que o escritor deliberadamente se valha de uma fórmula pronta, plagie e recuse-se a pensar com independência, aparece de forma natural. Primeiro, porque as interpretações psicológicas dos fatos, a relação travada entre o indivíduo e a realidade circundante são variáveis e quase únicos. Segundo, porque as biografias, estas sim, são absolutamente individuais, ou seja: cada escritor possui experiências únicas a serem transmitidas para sua arte. Por isso, a menos que tencione ser alguém que não a si mesmo, qualquer meia dúzia de linhas sinceras fará com que o escritor pareça sempre original.

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Planilhas, planilhas…

Causa-me estranhamento o mundo ter existido por tanto tempo sem planilhas de controle. Às vezes me recuso a acreditar, mas, dos anos 80 do século passado — pelo menos — para trás, as pessoas viviam sem planilhas. Meu cérebro trava: como? Impossível! E convenço-me de que, deletando-me as planilhas, o meu lar imediatamente pegaria fogo. Não há tarefa rotineira que não exija uma planilha: desde às compras do supermercado ao acompanhamento de leituras. Controlar o peso, o nível de gordura corporal é importantíssimo. Os filmes assistidos, o fluxo de caixa mensal, a carteira de ativos, as horas em estudo de idiomas, as bebidas alcoólicas especiais consumidas ao longo dos anos, o planejamento de exercícios físicos diários… todas essas são planilhas obrigatórias, essenciais à vida. Há outras, várias outras. E espanta-me o seguinte: como escrever um livro sem uma planilha? Fosse elaborar um guia a detalhar o processo de escrita, o primeiro e obrigatório passo seria: criar uma planilha de acompanhamento, listar o planejamento dos capítulos, definir-lhes a extensão média e, só então, pensar no que escrever. Diria até que, em muitos casos, a planilha é anterior à ideia ou, ainda, a ideia só é possível com a planilha. Mundo estranho…

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O ritmo das letras

Na prosa a pontuação, a extensão dos períodos, o encadaeamento dos parágrafos; na poesia, além da pontuação, a distribuição das tônicas, a extensão dos versos soltos e relacionados entre si: eis os balizadores do ritmo das letras. Já quanto ao ritmo: terreno arenoso, traiçoeiro; fera indomável; enigma maravilhoso e irresolúvel; perfeição visível mas distante, muito distante…

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