São muitos os exemplos de belas obras iniciadas…

São muitos os exemplos de belas obras iniciadas apenas tardiamente, mas é raro encontrar um grande escritor que não se tenha aventurado na escrita bem antes de ser capaz de produzir algo de valor. Em verdade, o capacitar-se a fazê-lo é justamente praticar até que adquira o domínio da prática, é experimentar, errar e aprender. O que por isso não se adquire é a bagagem do estudo e da experiência; mas por isso, e só por isso, adquire-se a capacidade de escrever bem.

A grande obra literária não sai sem que haja…

Diz Ferreira de Castro, sobre a escrita de A selva:

Era das seis e meia às oito da noite, depois de haver estendido num divã, durante alguns minutos, a fadiga trazida, como um fato de chumbo, do magazine e do jornal, que me embrenhava na Amazónia. E nem todos os dias, porque a vida tinha ainda mais exigências e outras vezes eu regressava a casa tão exausto, tão saturado de papel em branco e de papel impresso, que me faltava disposição, frescura e forças para retomar a minha pena.

Este tipo de relato, para além de desmontar a romantização da escrita, é também mais uma evidência de que a grande obra literária não sai sem que haja uma motivação descomunal, uma necessidade absoluta e irracional de escrevê-la, que suplanta pela força todos os possíveis obstáculos. Tomar consciência do cenário descrito por Ferreira de Castro diante do romance finalizado nos inclina a creditá-lo a algum milagre. Mas, decerto, nas grandes obras há menos milagre do que essa violentíssima sensação de dever.

O impressionante do hábito é acostumar…

O impressionante do hábito é acostumar a mente a tarefas difíceis, fazendo com que pareçam quase, quase fáceis; e, mesmo que não chegue a tanto, trivializa o fazê-las, algo por si só extraordinário. Psicologicamente, habituar-se a fazer algo é fazê-lo com menor esforço, como ligando um modo de execução automático. E só é possível notar o quão benéfico, o quão poderoso é o hábito ao rompê-lo e, em seguida, tentar fazer o que antes se fazia com naturalidade. Quase sempre, menor que o esforço necessário para retomá-lo é aquele necessário para desistir.

É o compromisso de não desistir…

É o compromisso de não desistir o início e o prenúncio da obra literária. Sem ele, o que se faz não chega a ser obra, mas marca apenas algo passageiro e, igualmente, descartável. É somente esse compromisso o que sustentará o esforço quando as circunstâncias o sabotarem, quando faltar a própria vontade de escrever. É ele que motiva o hábito, e é somente ele que restaura a normalidade quando o hábito, violado, transmuta um estado de inércia produtiva num absoluto torpor.