Quando se perde um rascunho, mas persiste na memória aquilo que foi esboçado, dá-se algo interessante. Percebe-se ser possível restaurar o rascunho percorrendo novamente as mesmas etapas do raciocínio que o concebeu; mas não ser possível restaurá-lo palavra por palavra, exatamente como era. Nota-se, então, que algo se perde no processo. Disso conclui-se que se pode dizer o mesmo um dia após o outro, renovando-o pela maneira como se diz; contudo, fica entranhada neste como a singularidade do momento em que se disse e, enfim, o rascunho perdido é mesmo o momento que se foi…
Tag: escrita
Em literatura, é tão proveitoso variar o estilo…
Em literatura, é tão proveitoso variar o estilo quanto o é, na vida, variar o pensamento. O risco de não fazê-lo é viciar-se e diminuir-se, estreitando horizontes e fadando a próxima expressão a ser uma réplica da anterior. Em certa medida, variar o estilo é também pensar diferente, e o escritor que se acostume a fazê-lo se estará habituando a estimular o cérebro a não se contentar, acomodado, com aquilo que já concebeu.
Engana-se o escritor supondo…
Engana-se o escritor supondo que transformará sua arte carregando indefinidamente a mesma vida medíocre. É bom ter não mais que um canto para escrever e, temporariamente, ele basta. Também é bom ater-se e acostumar-se ao estritamente necessário para, sobretudo, distingui-lo. Mas para que haja transformação na arte, e para que seja esta verdadeira, é preciso operá-la também na vida, porquanto residem nesta as circunstâncias que motivarão sua obra, a menos que se traia. É necessário, pois, um esforço por modificar e moldar a realidade inteira, tanto quanto suas forças o permitam; e se dele não provierem resultados satisfatórios, será do próprio lidar consciente que brotará o melhor de sua motivação.
Tão divertido quanto conscientemente violar…
Tão divertido quanto conscientemente violar todos e cada um dos ditames da nova polícia da linguagem é desagradável e penoso observar aqueles que a ela se curvaram. É divertido porque relembramos, a cada transgressão, do estúpido de tais ditames; e divertido porque manifestamos a nossa insubmissão à tolice. Quando, porém, acompanhamos o inverso noutra consciência, o que vemos é alguém que, por medo ou para agradar, sacrificou aquilo que lhe deveria ser o mais valioso: a liberdade. Menos que irritação, causa-nos pena observá-lo…