Algo que muito faz distinguir o caráter é a perfeita noção de que o diabo caminha sempre, sempre ao lado, à espreita, na expectativa do menor vacilo. Perde-se dele o temor por um instante, e a queda é quase certa. Apenas os tolos o não percebem. E os não tolos, por vezes, bem cientes de que nisto nada há de brincadeira, experimentam a aflição e o terror indescritíveis provenientes da consciência de quão fraca é a carne e de quão baixo, por quão pouco, ela pode descer. Ter caráter é, em grande medida, acostumar-se a uma vigilância incessante.
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Nada de minimamente duradouro…
Não adianta: nada de minimamente duradouro e concreto se alcança sem que o espírito se volte constantemente para tal. Mesmo a própria aflição só se consolida pelo hábito. E assim como esta se amplifica à monstruosidade quando regularmente alimentada, passa-se o mesmo com o seu inverso quando cultivado com ânimo e constância. A vida acaba sempre tendendo para aquilo que a repetição clamou que se tornasse.
Um autêntico filósofo
A impressão que ficamos após percorrer estas quase seiscentas páginas da biografia de Schopenhauer assinada por David Cartwright é só uma: Schopenhauer é um autêntico filósofo. Isso se nota porque, para um conhecedor da obra de Schopenhauer, sua biografia não guarda surpresas, algo que equivale a dizer que sua vida foi condizente com sua filosofia ou, ainda, que sua filosofia era real. Para dimensionar a dificuldade, e quiçá a grandeza deste feito, basta compará-lo às misérias abundantes descritas por Paul Johnson na vida de seus intelectuais. Em Schopenhauer, vemos uma índole gravada em cada ato, em cada reação; vemos um homem que, a despeito de quanto se lhe pode dizer a respeito, não se traiu e nem se falsificou. Tal integridade, raríssima, é merecedora do maior reconhecimento.
É dificílimo encontrar uma angústia…
Quando se examina bem, é dificílimo encontrar uma angústia que não seja proveniente de uma escolha, anterior ou presente. Apenas isto bastaria para despertar na mente a certeza de que traça em grande parte o seu destino, e colhe certamente os frutos daquilo que plantou. Se o não reconhece, é porque não amadureceu o suficiente para assumir o encargo das próprias decisões, e enquanto não o fizer, permanecerá num estado de submissão imaginário que adicionará aos malefícios da angústia aqueles da ignorância.