Cândido, ou o otimismo, de Voltaire

Assim como A revolução dos bichos, de George Orwell, é a melhor vacina contra o comunismo, Cândido, ou o otimismo, de Voltaire, é a melhor vacina contra a risível noção contemporânea de autossuficiência do homem. “Você pode conseguir o que quiser”, “o mundo é uma projeção do seu interior”, “pensar positivo é a chave para o sucesso”, e outros muitos jargões contemporâneos são facilmente derrubados pelo escárnio de Voltaire. E se temos hoje ressalvas quanto ao julgamento da filosofia de Leibniz feito em Cândido, em decorrência do redescobrimento deste filósofo já no século XIX, a obra imortal de Voltaire não deixa jamais de perder seu valor instrutivo. Em suma, Voltaire coloca Cândido diante da impotência humana perante o meio, da implacável maldade humana em todas as terras e do vil desejo que comanda nossas ações. E Cândido, mesmo encontrando o paraíso terrestre após uma sucessão escandalosa de desditas, decide deixá-lo após julgar que neste país seria “como todos os outros” e que não estaria na companhia de sua amada — que, segundo seu julgamento, já deveria dispor de novo amante; — mostrando-nos como o homem é refém da própria natureza e da própria ambição. Podemos tirar de Cândido, pois, uma lista de lições, dentre elas estas, valiosíssimas em nosso tempo: humildade perante as nossas possibilidades, vergonha perante a ambição que nos domina e reverência perante o fado que nos assola.

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O humor como finalidade

Fosse eu resumir numa máxima, diria que o humor ampara e precede as demais virtudes. E julgo seria infinitamente mais útil, ao invés de “consciência social”, ensinar aos jovens o bom humor. Quero dizer: ao invés de estimular chatíssimos debates sobre o aquecimento global, sobre as questões de gênero, sobre as baleias ou sobre a fome na África, o professor faria mais, uma vez por semana, lecionando comédia — e de preferência trajado qual palhaço. Assim os jovens poderiam captar a essência do humor, que não é senão a constatação do próprio ridículo; e aprenderiam a rir da realidade e a se não levarem tão a sério. Em alguns anos, teríamos uma geração menos arisca, e os adultos que se lhes entranhasse o bom humor veriam-no combatendo diariamente a vaidade e o orgulho, tornando suas vidas mais leves e felizes, afastando-lhes do ódio e propiciando-lhes um convívio social significativamente mais agradável.

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Reflexões ou sentenças e máximas morais, de La Rochefoucauld

François de La Rochefoucauld, moralista e arguto psicólogo francês, é autor pouco conhecido entre os brasileiros. É pena, muita pena! Pois o que La Rochefoucauld aprendeu sobre a natureza humana e confirmava em salões literários na França do século XVII pode ser perfeitamente apreendido em nosso tempo e confirmado em festas ou reuniões sociais de qualquer tipo. Mais do que isso: ler Reflexões ou sentenças e máximas morais com sinceridade pode ser um valiosíssimo exame de autoconsciência; quero dizer: lê-lo já não para julgar os outros, e sim para aprender sobre nós mesmos. É preciso coragem, não nego, mas se dermos o primeiro passo, então veremos desnudada em aforismos toda a nossa ambição, nossa miséria, nossas motivações e nossa vil estreiteza de espírito.

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Nietzsche e Cioran: leituras para adolescentes?

Já se tornou corriqueiro dizer que Nietzsche e Cioran não são autores para adultos bem formados, que toda a filosofia de ambos não causam fortes impressões senão em adolescentes. Pois bem. Digo de minha parte: leio Nietzsche e Cioran, sobretudo, pelo prazer estético. Considero ambos, antes de filósofos, exímios artistas; vejo neles uma potência de expressão que não encontro em outras bandas; e a validade ou não de suas filosofias, para mim, é questão meramente secundária. Se fosse analisar somente pela lógica, diria da filosofia de Nietzsche, se tomada em conjunto, absurda; da de Cioran diria que não nos conduz senão à apatia. Mas, para mim, nada disso constitui demérito. Quem busca na filosofia um manual infalível para pautar o próprio pensamento e as próprias ações faz melhor lendo autoajuda. Não me sinto obrigado a encaixotar Nietzsche e Cioran no grupo dos “não concordo”, não me sinto incomodado diante de suas ambiguidades ou delírios; pelo contrário, tenho-os como mestres do estilo. Como disse, leio ambos pelo prazer estético, para encontrar beleza e acuidade nas expressões e para vê-los fazer suscitar em mim o desconforto. E não deixo de notar a pobreza nas palavras dos que taxam toda a obra de Nietzsche e Cioran como “filosofia para adolescentes”. Nada mais raso que resumir tudo a “certo” ou “errado”, isso só demonstra estreiteza de visão e incapacidade para lidar com o ambíguo. Terminar uma obra repleta de nuances, impecavelmente escrita e dizer tão somente “não concordo” parece-me a mais adolescente das generalizações.

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