Natureza…

Não sou um entusiasta da natureza. (Pedras!) Sei que, para muitos — todos? — a palavra natureza inspira uma paisagem silenciosa, pura como uma fresca nascente a deitar no tranquilo ramalhar das árvores sob o brando movimento das águas. A mim, não. Quando penso em natureza, minha mente associa — e me não pede permissão! — primeiramente, à imagem de uma mata fechada; em seguida, à sensação de meus pulmões sendo insuflados de ar puro e, bruscamente, ouço um zunido insuportável de mosquitos, que se transforma no silvar agressivo de uma cascavel. Assustado, sinto um arrepio. Sim, sim: minha casa é a poluição e o cinza.

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Sobre a autoajuda

Há algumas coisas que considero impossíveis, por exemplo, Donald Trump fantasiado de Buda em uma festa carnavalesca. Outra: um autor de autoajuda com um livro de Dostoiévski nas mãos. E não só de Dostoiévski, mas de Shakespeare também: escrever autoajuda para alguém que leu Shakespeare é uma absoluta impossibilidade. Eu poderia continuar estendendo a lista de autores, mas resumo: os clássicos; nenhum autor de autoajuda leu os clássicos. E por que isso é tão óbvio? Porque há uma incompatibilidade total entre o que se encontra nos clássicos e o que se encontra em livros de autoajuda. Fico a refletir: há uma herança intelectual transmitida através dos séculos que deve ser respeitada e absorvida por alguém que tenciona dar lições aos outros. Se ainda falamos de Shakespeare, é porque há em Shakespeare algo valioso, perene, comum à toda a humanidade. E diria até que, para alguém que quer conhecer minimamente o ser humano, ou ser minimamente culto, os clássicos são imprescindíveis. Repito, pois, em minha obsessão: dez obras, não mais; eu duvido que qualquer autor de autoajuda tenha lido dez obras quaisquer entre Shakespeare e Dostoiévski. Pode ser que não tenha entendido nada? Não creio. Pode ser que o autor viu na autoajuda o dinheiro fácil? Talvez… Mas aqui, estou à vontade para cometer a desfaçatez da generalização: um livro de autoajuda não é intelectualmente relevante — desculpem-me, mas não é.

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A substância destas linhas

Atiro estas notas como se estivesse fumando, e meu prazer não consiste senão em vê-las se perdendo no ar. A mim, a graça de escrever parece-me saber da inutilidade das palavras, saber que elas se dissolvem e voam. Há na arte, entretanto, algo de nobre: a renúncia à vida. Batendo no teclado abstenho-me do tédio de viver, num desinteresse genuíno e total. A vida nada me pode oferecer, e nada espero dela. Brinco ritmando as frases, alternando a colocação das palavras, pensando em imagens e rindo-me ao conversar com o computador. Para além da janela, o mundo prossegue como habitual. Mas o mundo me não insufla senão de repulsa. Refugio, pois, cá como em uma caverna, um retiro, onde acho graça dizendo em silêncio, para ninguém, distante do rumor insuportável da vida. Sei que estou a construir castelos de areia, contudo aí está a substância que permeia estas linhas: a indiferença.

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