O diabo é mesmo aquele “só um pouquinho”…

O diabo é mesmo aquele “só um pouquinho”, aquele “só desta vez” que concretiza a transgressão e desfigura o próprio ser. É verdade que a motivação oscila e o esforço acaba sempre cedendo; contudo, é preciso muito cuidado para que as oscilações não descambem numa prática que sugue completamente o espírito e acabe na mais completa traição. Rigidez e esforço diário, sim, ainda que seja por uma constante vontade que nem sempre se transponha ao mundo real.

O homem prático e o homem pensante

Thomas Bernhard, em Extinção, faz uma acutíssima reflexão sobre o que se pode chamar de o homem prático e o homem pensante. Segundo o raciocínio, o homem prático odeia a ociosidade, e a identifica de praxe com o homem pensante. Ocorre que o homem prático, desacostumado ao pensamento, só concebe a ação como ação prática, e portanto não pode entender a ausência de ação prática senão como ócio. Mas a verdade é que, ao homem pensante, o ócio não existe, pois é justamente sob a aparência de ociosidade que experimenta os seus estados de maior excitação. Tal está, todavia, muito além da compreensão do homem prático. O curioso disso tudo é que, em verdade, é justamente o homem prático que descai na ociosidade que tanto odeia: incapaz de pensar, somente para ele a ausência de ação prática significa a genuína e absoluta inação.

Nenhuma filosofia e nenhuma religião…

Nenhuma filosofia e nenhuma religião que se queira verdadeiramente grande pode prescindir da prática, isto é, pode prescindir da realização através de um ser humano real. Somente o exemplo convence, e somente a positivação em prática justifica a teoria que, não importa quão superior pareça, jamais o será se não se provar superior também pelos frutos. Assim que, tão conveniente quanto ouvir o que diz é atentar-se para aquilo que efetivamente faz.

É sempre automático optar pelo menor esforço

É sempre automático optar pelo menor esforço, embora seja esta frequentemente a pior decisão. Portanto, sensatez é ponderar quando o instinto já decidiu, e proceder contrariando-o repetidas vezes. Com o tempo, o cérebro perde o ímpeto e, embora nele o instinto perdure vivo, parece que se acostuma à realidade de que o mais fácil quase sempre é a certeza da frustração posterior.