Embora seja a censura uma crueldade indescritível…

Embora seja a censura uma crueldade indescritível, e embora seja ela eficacíssima a curto e médio prazo, por algum motivo ela não parece forte o suficiente para perdurar. Por isso, há de se notar que há limites mesmo à censura mais plena. A censura não pode, por exemplo, esconder-se totalmente: sempre haverá ao menos um par de olhos capaz de identificá-la. E esse par de olhos, ainda que amordaçado e punido, terá consigo algo que a censura não poderá corromper. Nisto, é também a censura traiçoeira ao censor, o qual, por mais astuto e metódico que seja, jamais poderá ocultar o seu crime, que será fatalmente escancarado pelo tempo, posto que seus efeitos são demasiado evidentes. Assim temos que o censor, por mais deliciosos que lhe sejam os benefícios momentâneos, terá de encarar o fato de que são estes momentâneos, e eterna a pecha de canalha que irrevogavelmente colou ao seu nome.

É curioso que sejam as leis amplamente respeitadas

É no mínimo curioso que sejam as leis amplamente respeitadas, quando são elas feitas pelas mesmas figuras que, de quatro em quatro anos, vemos sorridentes em outdoors, em propagandas eleitorais e que, esporadicamente, vemos no noticiário policial algemadas e presas por protagonizarem escândalos. Quer dizer: as leis, concebidas em meio à mesma lama responsável por direcionar alguns desafortunados à cadeia, são e devem ser respeitadas como constituíssem um imperativo moral. Sem dúvida, há algo cômico nisso tudo, e faz rir a obscenidade com que o rebanho é escravizado e mantém-se passivo, quando esta pornografia chamada direito deveria mais sensatamente inspirar um estado perene de revolta e insubmissão.

O anarquismo é nobre

O anarquismo é nobre enquanto manifestação de revolta perante as injustíssimas e usurpadoras relações de poder sobre as quais se apoia a sociedade. Homens como Stirner, Thoreau e Proudhon denunciam e arrasam toda a hipocrisia que reveste a argumentação fajuta que sustenta a exploração das liberdades. São homens que se recusam terminantemente a aceitar como normal um estado de abuso sistemático em que, de um lado, gozam uns poucos usurpadores e, de outro, sofrem os impotentes usurpados. Tais homens são, para dizer como Nietzsche, espíritos livres, que não pensariam duas vezes sobre preferir a morte a uma existência de desonra e escravidão.

As democracias modernas

As democracias modernas congregaram todos os meios mais ardilosos já fabricados pela mente humana e materializaram uma ode suprema e inédita à hipocrisia. Este sistema tão aclamado, cuja crítica é inadmissível e pode valer um lugar na cadeia, resume-se a uma tirania que somente se fortalece à medida que correm os anos. Uma tirania, portanto, um sistema legítimo, mas opressivo, injusto e cruel. O indivíduo, que dela absolutamente não participa, tem de engoli-la e financiá-la, ainda que diante de abusos e absurdos inaceitáveis, observando amordaçado e de mãos atadas a perpetuação de uma vontade manipulável e efetivamente manipulada por canalhas, uma vontade contrária aos seus interesses. Para tudo aquilo que um dia pareceu irrealizável ao mais deslavado dos tiranos, hoje, há meios seguros de execução, e assim parecem as almas, mais do que nunca, submetidas e incapazes de reagir.