Ao mesmo tempo que a prudência reclama atenção para o futuro, a paz recusa-se a comparecer ao cômodo mental em que esta esteja presente. O futuro, friamente analisado, é o fim e a possibilidade do fim. Em instância inferior, é a incerteza atual concretizando-se num pesadelo. Para que haja paz, é preciso não haver apreensão, e dificilmente se evita esta quando se vislumbra o amanhã. Em parte, é compreensível a tranquilidade do budista que nada tem e nada teme; mas, a menos que se efetive um rompimento total com os vínculos, algo quase fantasioso, não parece possível sê-lo e não ser, também, irresponsável.
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A obsessão moderna com a sexualidade
A obsessão moderna com a sexualidade, que a reputa questão de primeira categoria e não consegue, não suporta meia dúzia de palavras que não evidenciem seu caráter primordial no ser humano, só faz validar as velhas, desagradabilíssimas e antipopulares afirmações de numerosos pensadores ao longo dos séculos que notaram distanciar mais o homem superior do homem comum do que este de um cão. Escancara-se, para dizer como Pessoa, uma diferença de qualidade, uma repulsa inevitável, e ao primeiro parecerão sempre desprezíveis e degradantes as preocupações do segundo.
Voltando ao passado
É uma ironia divertidíssima a frutífera tendência, da parte das “novas ciências”, de voltarem-se ao passado em busca de fundamentação e respostas. Vemos, por exemplo, a psicologia, que tornou-se outra após Jung, muito mais complexa, interessante e efetiva, graças às profundas investigações que fez Jung em variados terrenos de variadas culturas antigas. E tal fenômeno não se limita às “novas ciências”, fazendo-se presente na literatura, na filosofia e onde quer que voltemos as lentes: parecem estar as respostas de que carece o homem presentes nos mais primitivos vestígios de sua existência, limitando-se a expansão de seu conhecimento a dar novas formas a conclusões — para não dizer verdades — já há muito percebidas.
A cela de Freud
Causa pena imaginar Freud encurralando-se gradativamente numa cela da qual, até o fim da vida, julgou impossível a libertação. O drama de Freud é não ter aparentemente partido do erro, mas sim de uma visão limitada que aprofundou-se e não se expandiu. Parece ele ter carecido de um mestre, ou ter-lhe sido a experiência repetitiva, pobre e insuficiente. É muito difícil não sentir pulsar a antipatia quando se analisa a obra de Freud em conjunto: é preciso serenidade para recordar que esta obra, também, encerra uma legítima tragédia individual.