Efeitos da torre

Não há negar alguns efeitos naturais da famigerada torre. Os motivos que levam o homem a nela se instalar variam da experiência ao raciocínio; mas, sem dúvida, a verdadeira torre alberga somente residentes voluntários. Uma vez instalado, vai o homem como que se modificando com o tempo que parece, sobretudo, endurecê-lo. Isolado de agitações, o ânimo arrefece, o corpo estabiliza e a mente parece compensá-lo em atividade dobrada. Em pouco, escancara-se um abismo entre tal postura e a dita normalidade, a qual é analisada em repulsa crescente. Daí que medra no espírito uma intolerância incontrolável, uma aversão violenta àquilo que o raciocínio condena repetidas vezes em intermináveis horas de meditação: o mundo é visto em sua face mais perversa. É certo, pois, que pode a torre estimular sobremaneira a amargura — e frequentemente o faz. Concretiza-se, assim, uma dureza de caráter incomum; dureza que fatalmente acaba, hora ou outra, cometendo uma injustiça. Aqui, dá-se algo curiosíssimo: deparando-se o recluso com a injustiça cometida ou, melhor dizendo, deparando-se ele com uma natureza que lhe contraria os julgamentos, há um choque tão violento que aparenta operado por uma entidade superior. Então, ressurgem os restos de uma humanidade morta e, num misto de assombro e remorso, o habitante da torre parece amolecer.

Ainda que se viva ponderadamente…

Ainda que se viva ponderadamente, e que se tente planejar o ato a fim de que ele jamais saia irrefletido, e ainda que haja vistoso mérito em fazê-lo, há lances em que toda ponderação e todo planejamento são suplantados por um impulso que surge como necessidade. E notar que este prova-se frequentemente proveitoso! Por vezes, é justamente nele que se define toda uma trajetória, e dele deriva-lhe os melhores frutos. Parece a mente, nesta lógica que beira o irracional, sugerir que um longo e silencioso trabalho precedeu-lhe o estourar meticulosamente calculado. E então, é deixar que estoure…

São sempre proveitosos os momentos…

São sempre proveitosos os momentos em que a mente se volta ao passado e arrisca uma síntese daquilo que perdura de quanto fez e viveu: amiúde é aqui que obras aparentemente inúteis provam seu valor; é aqui, também, que as futilidades rotineiras se expõem de maneira patente. Então é possível notar que há pouco de verdadeiramente resistente aos efeitos do tempo e, assim, revigorar prioridades que acaso estejam negligenciadas. Mas além disso: é quando o ânimo fraqueja e a esperança vê-se em frangalhos que tal exercício prova-lhe a maior utilidade — e a mente enxerga, por ele, algo que justifica o persistir.

O injustiçado que se cala

É realmente bela a postura do injustiçado que se cala. Diante da injustiça patente, com todas as razões para rebelar-se e contra-atacar, responde ele com o silêncio. Parece a nós, que o observamos, tal atitude uma lição de moral. Esse estoicismo altivo, esse desprendimento do orgulho e essa indiferença para com o resultado tem um quê de grandiosidade tácita, cuja exploração ou não é frequentemente o brilho ou defeito de muitas tragédias. Em vida, tal espírito não merece de nós senão respeito.