Baixíssimo nível

Vou por um autor célebre e não recomendado que propôs uma espécie de hedonismo renovado. Indulgência, abundância material, e uma vida orientada para a satisfação plena dos desejos. Que piada! Comenta o sujeito sobre várias religiões, e a cada nota mostra-se supinamente ignorante sobre todas. Diz ele que, no oriente, houve quem propusesse pela religião um caminho para misturar-se a uma “consciência universal”, posto ser difícil, nestas regiões do globo, o acúmulo material, e portanto razoável fornecer a este povo algo que supere e não dependa daquilo que não podem alcançar. Adiciona, também, que a reencarnação foi concebida como bálsamo para aqueles menos favorecidos nesta vida; portanto, alimentando-os da esperança de uma vida futura melhor. Oh, Senhor! E um sujeito desta estirpe como líder religioso! Não se deu o trabalho de ler um resumo histórico das religiões que comenta, para descobrir que no oriente floresceram no seio de palácios, onde a abundância material e a satisfação dos desejos conduziram a um tédio insuportável! onde a ideia de viver esta vida uma e outra vez ao infinito, como sugere a reencarnação, não lhes suscitava senão terror absoluto, levando-os a tomar medidas extremas para romper com esse ciclo detestável!

Roteiro simples

O primeiro passo para aquele que não deseja, no fim da vida, senti-la integralmente desperdiçada é encontrar, quanto antes, algo que a preencha de sentido, que motive, que traga o desejo de acordar no dia seguinte — este algo é o que comumente se denomina vocação. Encontrando-a, cabe em seguida executá-la diariamente, independentemente das circunstâncias. Se necessidades mais urgentes roubarem-lhe tempo, é executá-la pelo pouco que seja, mas encarando-a como a prioridade impreterível da rotina — o postergá-la é desbaratar o escasso tempo. Assim, deve-se deliberar a situação atual como temporária, e todo o restante da vida deve visar a criação de condições que permitam exercer tal vocação em tempo integral. Esforços não devem ser poupados, e deve-se valer de tudo quanto estiver à disposição para alcançar esse objetivo e livrar-se desta rotina que lhe é inadequada. Nisto, já se alcança uma satisfação prévia, já se experimenta uma sensação de tempo bem aproveitado. Por fim, há dois possíveis cenários: ao que cria para si as condições para lhe exercer o chamado em tempo integral, basta exercê-lo; aos demais, basta que não desistam, e assim não fecharão os olhos arrependidos de desperdiçar as oportunidades que tiveram.

A mais encantadora das sereias

Esta que é a mais encantadora das sereias, a misantropia, parece mesmo afeiçoar-se a artistas e ser-lhes, além de objeto de culto, fonte primária de inspiração. Formosíssima senhora: mais que sereia, musa! E não canso de admirar como são úteis as barreiras levantadas em redor da mente inclinada à arte. Vigny, e não Victor Hugo, e não Lamartine, foi quem personificou a plenitude da vocação poética. E pior para aqueles que buscam motivação entre pedras!

Exercicios espirituales, de Inácio de Loyola

Percorro estes Exercicios espirituales, de Inácio de Loyola, e não posso deixar de imaginá-lo a compô-los nas condições incrivelmente miseráveis descritas em sua biografia. A comparação com Frankl é inevitável. Se confrontamos o teor destas linhas, ou melhor, se consideramos estas linhas como originárias das circunstâncias que rodeavam-lhes o autor, deparamo-nos com uma pujança psicológica inquebrantável capaz de proezas quase sobre-humanas. Enfim, vemos método no esforço consciente em atribuir sentido para as misérias vivenciadas, na afirmação contínua de um voto, na superação dos próprios limites, na transformação da mente em fortaleza indestrutível. Esses Exercicios atestam a vitória absoluta de Inácio sobre o meio circundante e sobre si mesmo. Linhas admiráveis!