Raiva, raiva…

“Nada desordena o pensamento como um acesso de raiva.” Não é só a tranquilidade que se perde, mas a construção de longos esforços, de longo aprimoramento que materializa-se num estado aparentemente estável, desmorona inteira e abruptamente. É o progresso mental que retorna à estaca zero. Disto, é repetir todo o processo. Asseguram os budistas que uma vida inteira de meditação perde-se num destes impulsos. Se não é assim, o certo é que estragam antes e depois. Oh, tristeza! Oh, vontade de chorar!

As melhores decisões surgem após meditação longa…

As melhores decisões surgem após meditação longa, embora disforme, que concentra-se lentamente até um ponto em que extravasa com violência num impulso que, por ação volitiva, tem a vazão permitida de imediato: concretiza-se neste impulso, e perdura frutificando. A intuição, tomada no sentido junguiano, quando desenvolvida é capaz de manifestar-se carregada de uma certeza que sobrepuja o raciocínio. É o clarão de uma faculdade preciosa. Contrariá-la, nestes casos, é malbaratá-la. Por isso é justa a paciência em decisões importantes — mas, por vezes, o mais proveitoso é ter coragem para seguir a própria intuição.

O especialista ocidental

Releio os sutras de Patanjali, desta vez comentados por um místico indiano. Que diferença! Que abismo separa-o do mestre doutor especialista em metaética e filosofia da linguagem! Faltam-me palavras… Os concisos comentários do místico não vêm senão visando facilitar a compreensão prática dos sutras; objetivam, sumariamente, descomplicar quanto lhes possa haver de ambiguidade. O confronto com o senhor doutor é de dar dó… Parece o especialista ocidental meter-se num distanciamento intelectual que flerta com a burrice. Isola-se daquilo que analisa, traça infinitas comparações, como almejando o conhecimento perfeito da etimologia das palavras estudadas, mas indiferente a captar o que elas representam. Perde-se numa subjetividade irracional, porque é simplesmente absurdo ceifar de um estudo sério o elo com a realidade. É o cientista conhecedor dos detalhes técnicos de um experimento cuja finalidade ignora, o especialista em meditação que jamais meditou. As trezentas páginas de comentários de meu Yoga sutra ensinam menos sobre ioga do que o resumo de uma linha feito por Crowley: “Sit still. Stop thinking. Shut up. Get out!” — resumo este que, aposto o meu braço direito, jamais passou pela cabeça do mestre doutor.

 

Quando a certeza não é possível

Quando a certeza não é possível ou, acaso, seja questão de índole, é preciso que o homem tenha coragem o suficiente para agir orientado por indícios. Um indício envolto em espessa penumbra tem de sê-lo satisfatório, é mister que ele se apegue ao pouco que tem — do contrário é trancar-se na inércia. Encontrar, pois, o indício! Encontrá-lo e agarrá-lo firmemente! Seguir-lhe o caminho sugerido e amparar-se na possibilidade — porque é esta, sem dúvida, melhor do que o nada.