Consta no Dhammapada: não tendo companhias, convém andar só. E grave será o erro do homem superior que desleixar a recomendação. Não podendo rodear-se de espíritos mais nobres, — ou, ao menos, semelhantes, — terá de optar pela solidão ou pela destruição de si mesmo. Se arrisca uma conciliação impossível, se cede ao instinto gregário em vez de anulá-lo, então verá, seguidas vezes, suscitar-lhe as manifestações infames que caracterizam os espíritos inferiores, a culminar num estado em que já se lhes não distinguirá. Conseguintemente, terá neutralizadas as potencialidades e, reste-lhe um resquício de tino, terá de encarar as próprias escolhas — quando já não for possível revertê-las — com a mente tomada de arrependimento e frustração.
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O homem demoníaco, segundo o Bagavadeguitá
É interessante notar a descrição do homem demoníaco contida no Bagavadeguitá. Embora haja a menção natural ao modelo malicioso e cruel, a ênfase é dada ao ganancioso, materialista, cujo desejo insaciável guia-o na busca incessante de riqueza e poder. Ter isso, ter aquilo; sucesso, ambição; prazer em sentir-se poderoso; vaidade infinita… De tudo isso extrai-se uma visão de mundo luxuriosa e arrogante, que atira o ser em competição para com os outros, dando azo à inveja e à mesquinharia. Um ser que age e não poupa meios para alcançar o que quer: subjuga o mundo ao seu projeto pessoal. Nunca a parcimônia, nunca a frugalidade, nunca a compaixão sincera. Desnecessária a conclusão…
Pelo que faz distingue-se um homem de outro
É lamentável que não seja sensato escrever somente na última etapa da vida, uma vez que não é possível defini-la previamente… Sartre tem razão quando diz que “l’homme est ce qu’il se fait”, e que portanto o ato é o responsável por materializar o gênio, por efetivar potencialidades que, sem a ação, acabariam desperdiçadas. O ato é o esforço voluntário que transforma faculdades em realidade; pelo que faz distingue-se um homem de outro; Dante foi e tornou-se Dante compondo versos, Shakespeare obrando peças; e assim, embora a conclusão possa conduzir a resultados infelizes, não há negar que o mais importante é o agora.
O homem e sua circunstância
É prudente quando Ortega y Gasset diz que “yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”, e também a constatação de que, vivendo para o seu tempo, o homem vive para todos. Há nisto, porém, um perigo. Dostoiévski inseriu uma temática atemporal no cenário de seu tempo; Dante representou a moral de seu tempo em versos sublimes cuja essência residia num drama espiritual acrônico. É impossível abstraí-los da circunstância sem deformá-los, contudo em ambos a circunstância não faz senão pigmentar — individualizando, é claro — uma expressão universal comum a homens de todos os tempos. O autor, se obsessivo com sua circunstância e desprovido do senso do atemporal, tende a perder-se em futilidades efêmeras, tornando-se irrelevante para o futuro, ou mesmo fora de seu círculo social. Mais do que tudo, é necessário que ele desenvolva a noção do que passa e do que fica, do detalhe e do essencial; do contrário será fatalmente esquecido.