Sempre coube à filosofia, e não à religião, demonstrar que é-se antes, depois, e além da matéria. Até recentemente, tal argumento foi consensual, visto que o atestava o mais humilde camponês, ainda que dispusesse da percepção direta como ferramenta única de validação. Hoje, naturalmente, tudo mudou. E quando levamos em consideração a simplicidade do raciocínio que conduz à necessidade da antiga conclusão, é realmente um assombro a quantidade de obstáculos que o homem moderno tem de superar para alcançá-la. Ele tem de, primeiro, desfazer uma infinidade de enganos, despegar-se de uma série de noções estúpidas, em suma, deseducar-se. E o pior é que, dizendo desta maneira, não se expressa o tremendo esforço necessário para fazê-lo, que envolve um quase desligamento do próprio tempo e uma quase negação da própria experiência. Este esforço, como se vê, parece demandar a fibra de um devoto, e por isso a dita consciência, hoje, tem se alcançado mais facilmente pela religião do que pela filosofia.
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Uma das maiores dificuldades inerentes…
Uma das maiores dificuldades inerentes da investigação da realidade é harmonizar a consciência da insignificância individual com a necessidade individual de agir. A primeira vem automática, quando se contrasta o tamanho e a complexidade do universo com as possibilidades daquele que o observa. Porém, admitindo-se o ser, admitindo-se o irrevogável do ser, tem de se admitir também um motivo, uma necessidade. Daí a conclusão: é-se quase nada, o que se faz é quase nada, mas é-se porque é força ser e fazer.
A procrastinação, perante a consciência do dever…
A procrastinação, perante a consciência do dever, é uma infâmia. Envergonha e entristece. E, ainda assim, tão corriqueira… Parece que o vencê-la só se dá pelo hábito, o qual medra constantemente ameaçado pelo hábito contrário que, caso permitido, deveras envergonha e entristece. A consciência do dever, portanto, resulta numa tensão permanente, que parece suportável, e até dominável sem grande esforço, enquanto perdura o ciclo produtivo e a repetição parece mais simples que o interrompê-la. Procrastine-se uma vez, duas, e a situação muda completamente de figura…
O homem livre e o escravo
Lavelle faz uma interessante distinção entre o homem livre e o escravo, identificando o primeiro como aquele que faz coincidir a alegria com sua atividade mais habitual, e o segundo como aquele que as separa. Assim, o que os distingue é a satisfação naquilo que fazem, que extrapola as circunstâncias às quais estão submetidos. De tudo o que decorre desta visão, talvez seja isto o mais importante: às vezes, basta pouco para ser livre e, às vezes, é-se escravo sem saber.