O horror da vida é a consciência dela

O horror da vida é a consciência dela. É o prever e acertar. É o sentir consoante o esperado. Ver tudo acontecendo, de olhos abertos. Constatar a previsibilidade das coisas, a futilidade infame do esforço, a mediocridade de quanto se pode alcançar. É o viver e não simplesmente ir vivendo, por uma impossibilidade irreversível. Perceber que a consciência, uma vez desperta, não mais torna a dormir. Ser incapaz da vista grossa que caracteriza as pessoas comuns, a saudável falta de percepção — em suma, a aceitação passiva da realidade.

O divertimento é a maior de nossas misérias

De Pascal:

A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento, e, no entanto, é a maior das nossas misérias. Com efeito, é isso que nos impede principalmente de pensar em nós. Sem isso, ficaríamos desgostosos e esse desgosto nos levaria a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas o divertimento nos alegra e nos faz chegar insensivelmente à morte.

Incompatibilidades entre mentes superiores

É curioso notar algumas incompatibilidades entre mentes superiores. Parece haver um elemento obscuro que, em alguns casos, força-lhes a repulsão. Digo isso pensando em Pessoa e Nietzsche, ou melhor, em Pessoa para com Nietzsche. O português referiu-se ao alemão como um asceta louco admirador da força e do domínio. Noutras notas, a menção a Nietzsche vem quase sempre carregada de um tom pejorativo. O curioso é o seguinte: como artistas, há entre ambos muito em comum. No breve ensaio intitulado Apontamentos para uma Estética não aristotélica, Pessoa defende uma estética assentada na força, uma estética onde o grau supremo de expressão atinge-se pela potência máxima, uma estética em que o artista “force os outros, queiram eles ou não, a sentir o que ele sentiu, que os domine pela força inexplicável, como o atleta mais forte domina o mais fraco, como o ditador espontâneo subjuga o povo todo (porque é ele todo sintetizado e por isso mais forte que ele todo somado), como o fundador de religiões converte dogmática e absurdamente as almas alheias na substância de uma doutrina que, no fundo, não é senão ele próprio”. Nietzsche, um símbolo da força de expressão, progenitor de uma obra onde as exclamações saltam das folhas como foguetes, dizia que “a grandeza de um artista mede-se segundo a intensidade empregada para atingir o grande estilo”. É um belo resumo da teoria estética de Pessoa. Mas, ainda assim, incompatíveis…