Parece-me a vaidade real — a profunda e inconfundível — conduzir à insinceridade e à hipocrisia, traços que se me afiguram como insuportáveis, quer na vida, quer na arte. Já notaram a face inocente de vários entre os maiores artistas de todos os tempos, como Tolstói, Dostoiévski e Shakespeare. E a inocência, caso dê as caras, não o faz senão pela sinceridade, que lhe é companheira obrigatória. É o que vemos, por exemplo, em Nietzsche, quando diz de Zaratustra a maior obra já concebida, ou quando se julga o maior entre todos os filósofos. Distorcido por línguas infames, passou por presunçoso, quando limitou-se a ser transparente como sempre foi. A vaidade manifesta-se na hipocrisia. Nietzsche viveu-lhe a obra, Dostoiévski creu com todo o espírito nas soluções que propôs. Ambos submeteram-se ao ridículo, expuseram-se. E não se humilharam, como fazem aqueles sedentos do reconhecimento, lançando mão da dissimulação.
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Quando se perde a tradição
De Pessoa:
Quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e quando se quebra o laço social, resulta que se quebra o laço social entre a minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva.
A filosofia é medíocre quando se rebaixa a um concurso de retórica
A filosofia é medíocre quando se rebaixa a um concurso de retórica. Perde o distintivo e passa a ser rasa como um debate político. O filósofo abre mão da sinceridade pela eloquência, gasta-lhe o espírito no vilíssimo convencer. Como enfastia as vazias discussões sobre os “sistemas”, sobre os “métodos”, sobre os “erros” alheios, quando o esforço seria muito melhor empregado, até por uma demonstração de respeito à filosofia, em individualizar e fortalecer a expressividade da própria percepção.
Há seres humanos adaptados e inadaptados
Há seres humanos adaptados e inadaptados, satisfeitos e inconformados, aqueles que gostam da vida e aqueles que acham-na um incômodo. Os que vivem, os que pensam; conforto, desconforto; esperança, desilusão. Pode haver, no ser humano, ambas as dimensões; pode ser que as não haja. Estranha observar o consenso velado de que haja um “normal”. A verdadeira pergunta é: como conduzir as diferentes e naturalíssimas disposições mentais? Respondendo-a, notaremos que se extrai valor do equilíbrio e do caos.