Opera, sempre, a lei dos mais fortes

Calar manifestações dissidentes ou, menos ainda, manifestações tão só diferentes não é novidade nenhuma. Mas fico aqui a pensar se, neste mundo, haverá algum dia reprimenda para tal agressão. Penso automaticamente na língua, a serviçal da vaidade humana. Sairá, talvez, algum estudo condenando-lhe o movimento, comprovando-lhe o caráter nocivo, evidenciando-lhe o papel como indutora da ação agressiva? Provavelmente não. E provavelmente nunca o homem médio será capaz de barrar o impulso evolutivo odiento de calar, humilhar, submeter, destruir aquele que enxerga como adversário. Opera, sempre, a lei dos mais fortes, e o ataque parece a única e melhor defesa… Ao vencedor, as batatas!

O infame é agradável diante do ardiloso

Lendo Heidegger, senti vontade de sair à rua e dar uma paulada no primeiro ser humano que encontrasse. Exasperante! E engraçadíssima a reação, em especial por minha enorme tolerância diante do que me desagrada. Pouco antes de Heidegger, havia defrontado várias das páginas mais detestáveis que já li sem um único impulso violento, sem nenhuma vez sentir vontade de rasgar o livro e agredir fisicamente um companheiro de espécie. Qual a diferença? A diferença é que, nas páginas de Rousseau, um sujeito incapaz de conceber o que seria honra ou dignidade pessoal, havia ao menos sinceridade. E mais do que sinceridade: havia estilo, concisão, vigor numa prosa que, sem dúvida, é uma das melhores da língua francesa. Nela, ler o infame é quase prazeroso. Rousseau sabe construir períodos, encadeá-los, fazer deles a progressão lógica de um pensamento e expô-lo de uma maneira franca. Heidegger, não. Heidegger se esconde atrás de uma linguagem estupidamente abstrata, cujo papel mais significativo é fazer o banal passar por importante. Heidegger afeta precisão metódica através de rodeios ridículos, típicos daquele que não tem muito o que dizer, e uma leitura atenta capta a farsa. Heidegger engana o leitor. Mas por que o comparativo? Já quase me esqueço… Rousseau, cuja principal obra poderia ter como subtítulo “A fundamentação suprema da demagogia”, cujas linhas não tratam senão de ditar regras e dizer como os outros deveriam se comportar, ainda me parece menos vaidoso do que o sujeito que, em ostensiva impostura linguística, constrói uma obra ilegível a fim de impressionar.

Refletir sobre o desespero vacina contra o desespero

Refletir sobre o desespero vacina contra o desespero, refletir sobre a angústia abranda a angústia, a desilusão só nociva quando intempestiva… e a mente parece provida do arsenal que necessita para conter-lhe os próprios impulsos. Se movida pela inércia, vulnerável; se colocada a trabalho, preparada e resistente. O amparo de que carece não é senão fruto de uma criação própria. Assim, realmente aparenta irresistível a ideia de autossuficiência…

A filosofia está saturada de vaidosos

Entupo-me de Cioran e percebo a enorme distinção daquele que se propõe a encarar as grandes questões frontalmente e com sinceridade. A filosofia está saturada de vaidosos cujas obras manifestam o interesse único em provar-lhes ao mundo a inteligência. Quando contrapostas, de um lado, a obsessão em provar falhas lógicas em sistemas alheios e substituí-las por um raciocínio “superior” e, de outro, a manifestação desesperada de alguém que, com todo o espírito, procura o alívio para questões que o atormentam, notar que há diferentes níveis de filósofos chega a ser um insulto. Há, isso sim, filósofos sérios e brincalhões.

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