Algumas biografias geram em nós, modernos, um efeito semelhante àquele que se experimenta quando, após aborrecer-se com alguma ninharia ou reclamar-se da vida, encontra-se um morador de rua. Porque, em verdade, justamente mendigo foram alguns dos nomes mais célebres da literatura universal — célebres, aliás, não pela condição material que tiveram, mas pela grandeza de suas obras. E então descobrimos como nos tornamos incapazes de suportar misérias, uma vez que, a nós, pouca coisa já incomoda muito, e uma fração das adversidades suportadas por tantos de nossos antepassados seria suficiente para nos liquidar. Ao menos, o constrangedor é proveitoso.
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É um tanto curiosa a velada homogeneidade…
É um tanto curiosa a velada homogeneidade na ideia que se faz da evolução histórica no ocidente moderno, quando há enorme acessibilidade a historiadores já consagrados cujas obras desmantelam essa mesma ideia. Quer dizer: o sujeito proclama o que descobriu muito bem documentado em fonte confiável, às vezes em publicação que se deu há mais de meio século, e ainda assim é tido como louco, como inimigo e como criminoso. O consenso velado, por algum motivo, quer-se e perdura imune a determinadas obras. Mas é preciso notar que, pelo menos depois de Hegel, ser historiador tornou-se, em grande medida, ser também iconoclasta.
De toda a infinita lista de defeitos…
De toda a infinita lista de defeitos que se pode apontar na arquitetura brasileira, se existir mesmo algo que atende por esse nome, talvez aqueles que mais se sobressaem pela originalidade são, primeiro, a absoluta ausência de traços comuns entre uma construção e a vizinha, traços comuns aqueles sem os quais arquitetura nenhuma do mundo pode produzir harmonia num ambiente; segundo, a ausência, também absoluta, de traços que evidenciem uma tradição arquitetônica, traços que, para além de estabelecer uma conexão com a história, quando replicados configuram os mesmos traços comuns produtores de harmonia. O resultado, em suma, é essa paisagem urbana horrorosa, que patriotismo ou estupidez de nenhuma espécie é capaz de defender.
A história brasileira é um campo fertilíssimo
A história brasileira é um campo fertilíssimo para a sátira. Mas quiçá, entre o inesgotável festival de ironias, nenhuma seja mais divertida que o lema positivista enfiado na bandeira nacional, em ato que viria a fomentar a antítese do próprio lema, o qual nunca, nem por um mísero decênio, viria a manifestar-se na nação como modelo ao resto do mundo. Muito pelo contrário: após a proclamação republicana, o que decerto não houve foi ordem, e muito menos progresso, degradando-se ambos perante o ocidente, de maneira que hoje, pouco mais de um século após a importação do fictício e malfadado lema, o Brasil é certamente muito melhor e mais fielmente representado por “desordem e atraso”.