É realmente impressionante como os anos, que não parecem nada, que passam imperceptivelmente, desfiguram a realidade até um ponto em que não sobra um único resquício do que um dia foi. Tão próximos um século do outro, e por vezes díspares a ponto de não se reconhecerem. Será tomado de espanto aquele que fizer uma análise minuciosa dos costumes de épocas passadas, em medida idêntica à que resultaria se alguém do passado pudesse vislumbrar o futuro. Em ambos os casos, um misto de estranhamento, repulsa, incompreensão e assombro. Assombro porque, em teoria, a espécie humana sempre foi constituída de homens. Porém, para a sociologia, é possível descrever homens de diferentes tempos como espécies distintas.
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A biografia de Inácio de Loyola
Parece fictícia a biografia de Inácio de Loyola. Lê-la neste século, lê-la no ocidente observando que se tornou o ocidente, suas grandes cidades, suas preocupações, é como colocar-se diante de uma narrativa absurda. É de causar assombro a simplicidade como fatos estupefacientes se apresentam nesta “Autobiografia”, redigida pelo P. Luís Gonçalves da Câmara, que limitou-se a transcrever quanto ouviu da boca de Inácio. Algumas poucas vezes, lemos Inácio ter corrido risco de vida em sua trajetória, mas a impressão que ficamos é que, desde que saiu da casa paterna, esteve ele sempre em constante ameaça. Prisões, julgamentos, perseguições, doenças, incrível penúria… é difícil imaginar condições mais severas para este homem reputado santo. O simples superar a sexta década de vida, como fê-lo, já se afigura a nós, homens mal-acostumados, um verdadeiro milagre.
“Heróis” dignos de desprezo
A maneira como, em Guerra e paz, Tolstói repetidamente desdenha do “gênio militar” que deixou a Rússia destruído e de todos os seus vis admiradores é uma mostra acachapante de sua nobreza e altivez moral. O desserviço que prestam historiadores idolatrando loucos assassinos, escravos das ambições mais abjetas que fizeram da carne humana o trampolim para seus anseios mesquinhos, apresentando-os como criaturas superiores e modelos de virtude é digno de repulsa total. Tais historiadores, lambedores de botas medíocres, frequentemente encontram o admirável em tarados responsáveis por carnificinas espantosas, e o narram com a pompa de um patriotismo vestido de honra — mas são os mesmos que, em vida, vendem a honra por um elogio público e imploram de joelhos por aceitação.
Um processo evolutivo onde o falso perece
Se historicamente ocorre, como diz Thomas Carlyle, um processo evolutivo onde o falso repetidamente perece, é forçoso concluir que a sociedade está fadada a erigir e derrubar mentiras. Do contrário é perguntar: por que algo igualmente falso sempre sobrepõe-se à falsidade derrubada? Ou ainda: quantos milênios adicionais serão necessários para que o homem livre-se deste ciclo maligno? A nível coletivo, parece impossível qualquer esboço de solução.