Ingratos, de D. Pedro II

Um soneto de D. Pedro II direcionado àqueles que escreveram talvez as páginas mais vergonhosas da história brasileira, cuspindo em obra e memória do mais honrado de seus compatriotas:

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

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História da literatura ocidental, de Otto Maria Carpeaux

História da literatura ocidental, esse colosso de quase 3 mil páginas, é, simplesmente, um monumento imortal erigido em língua portuguesa e publicado no Brasil. O austríaco Otto Maria Carpeaux, que adotou nossa pátria e pôs-se a aprender nosso idioma já na meia-idade, deu às letras nacionais o que brasileiro algum jamais dará. Pode-se dizer, sem medo do erro, que foi Carpeaux o maior erudito brasileiro de todos os tempos. E, se temos no jardim esse colosso único, impressiona que nós, brasileiros, não demos o menor valor. Palavras de Carpeaux que prefaciam a primeira edição da obra dão ideia da magnitude desta História da literatura ocidental:

Estudaram-se todas as literaturas românicas e germânicas da Europa e seus ramos na América do Norte e do Sul; as eslavas e outras da Europa oriental; e, naturalmente, as literaturas grega e neogrega. (…) Foram estudados, em suma, mais de 8.000 autores. Mas a obra não tem pretensão nenhuma de ser um dicionário bibliográfico completo.

Modéstia… O estudo empreendido por Otto Maria Carpeaux e publicado em 1959 é único a nível mundial. É o que diz, também, Olavo de Carvalho, em excelente ensaio que prefacia a edição da Topbooks de Ensaios reunidos, outra obra de Carpeaux:

O homem de quem estamos falando é autor da única história da literatura jamais escrita na qual a sucessão das idéias e criações literárias no Ocidente, de Hesíodo a Valéry, aparece como um movimento contínuo que, por baixo da variedade desnorteante das suas manifestações, não perde jamais a unidade de sentido.

Que dizer? Penso em Carpeaux e me espanta o silêncio. Não se fala em Carpeaux, não se comenta sobre o homem de maior relevância na crítica literária nacional. Hoje, já estamos em distância que nos permite o juízo imparcial: Carpeaux, dentre todos os críticos, foi quem prestou o maior serviço às letras nacionais. Nada em português se compara à sua História da literatura ocidental.

História da literatura ocidental é capaz de dotar qualquer estudante de um conhecimento abrangente e preciso sobre os principais autores de mais de vinte séculos de literatura. É capaz de guiar um plano de estudos por décadas. E engana-se quem pensa que Carpeaux tão somente apresenta os autores e insere-os no contexto em que produziram suas obras; Carpeaux critica, transita com extrema argúcia por entre as correntes de pensamento mais diversas, pelos variados estilos e variadas concepções estéticas, analisa biografias e traça a evolução dos autores, insere as obras no contexto em que foram produzidas mostrando-nos, por fim, o peso histórico de cada autor segundo o seu julgamento.

Mas onde estão, por exemplo, as traduções dessa obra imensa? Longe, muito longe… Digo e pareço sonhar. Carpeaux não aparenta sequer consolidado no Brasil. Não atraiu sequer o interesse de biógrafos. Pergunto: o que estamos esperando? que surja alguém mais relevante a escrever sob o sol brasileiro? alguém de cultura superior? Ah, claro… então esperaremos… esperaremos, talvez, por muitos séculos, talvez para todo o sempre…

Otto Maria Carpeaux foi um intelectual enorme. Deu ao Brasil o que nunca tivemos, o que sempre nos faltou. Será que podemos, hoje, prescindir de Carpeaux? virar as costas à sua História da literatura ocidental?

É uma escolha. Contudo está, diante de nós e muito bem construída, a ponte para integrar nossa literatura a todas as culturas de todas as épocas. Cabe-nos, porém, a decisão de atravessá-la — ou, é claro, continuar como somos: irrelevantes no cenário mundial.

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Lições de história

Um brasileiro comum, hoje, certamente sabe dizer o nome do presidente do STF, da Câmara ou do Senado. Sabe dizer, também, o nome dos ministros do governo. Em contrapartida, não sabe dizer, de pronto, quais eram os presidentes do STF, da Câmara e do Senado em 2009. Também não sabe dizer, por exemplo, o nome dos ministros do governo em 2005. Pouquíssimos brasileiros saberiam, de fato, dizer o nome de um único presidente do Brasil no período entre Floriano e Vargas — e cá se vai mais de meio século! Em contrapartida, um número muito maior saberia dizer o nome de um livro de Machado de Assis, ou qual a obra máxima de Euclides da Cunha, ou ao menos dizer que faziam da vida o Machado de Assis e o Euclides da Cunha. Esse tipo de reflexão nos permite, facilmente, constatar a relevância histórica dos fatos, dos políticos, e a inutilidade das questões cotidianas. O jornal de hoje daqui a um ano não terá uma mísera notícia que seja digna de leitura. Assim nos ensina a história.

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História de Dom Pedro II, de Heitor Lyra [2]

Disse ontem algumas palavras sobre este livro; insuficientes, porém. Enfatizei meu respeito pelo autor, mas me esqueci do protagonista. Retrato-me nesta nota: Dom Pedro II é o maior exemplo de honra e prudência em toda a história do Brasil. Governou por mais de meio século, sendo sempre um ícone de tolerância e despego do poder; o Brasil pôde, graças ao seu temperamento, realizar uma troca de regime pacífica — quantos países podem gabar-se do mesmo? — e em troca, foi expulso do país como um ladrão, condenado ao exílio e à tristeza, passando seus últimos dias numa solidão desoladora. Quando morreu, solitário, dispondo de um saquinho com areia de Copacabana no bolso, os militares, liderados pelo abjeto Floriano Peixoto, negaram-lhe sequer uma representação diplomática no velório, que foi monumental, porém pago pela França, grata, entre outras coisas, por ter sido Dom Pedro II o primeiro estadista a visitá-la após arrasada pela Guerra Franco-Prussiana. O pungente de toda a história é que o “neto de Marco Aurélio”, como se lhe referiu Victor Hugo, resignou-se estoicamente em sendo alvo de cruel injustiça, crendo a história tratar de recompensá-lo. Hoje, bem sabemos, a memória de Dom Pedro II é inexistente; nossos estudantes não aprendem senão meia nota sobre sua vida e seu feitio. E está aí uma das belas ironias da história, muito bem representada pelo incêndio do Museu Nacional: sendo o museu, o caráter; e o fogo, a recompensa.

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