Não há palavras para descrever a sensação…

Não há palavras para descrever a sensação que experimentamos quando, apreciando a paz que emana de um texto hindu, recordamos as barbaridades descritas por Oliveira Martins cometidas em solo indiano. É um assombro. Imaginar os portugueses, justamente nesta terra onde a paz é sagrada, chegando como demônios, assaltando e assolando, ateando fogo, roubando, matando, submetendo. E, mesmo nos desembarques menos violentos, corrompendo pelo exercício desenfreado dos vícios mais grosseiros, do materialismo mais radical. Só de pensar em cidades indianas transformadas no receptáculo daquelas perversões espantosas, no destino das maiores ambições terrenas, no paraíso da depravação… o melhor é nem continuar.

O mais impressionante da arte medieval…

O mais impressionante da arte medieval, na qual encontra-se uma profusão de símbolos fabulosa e estonteante, quer no conjunto, quer nos detalhes, é revelar um homem habituado a extrair sentido de tudo, um homem para o qual nada pode haver sem uma significação implícita, um homem incapaz de representar algo que apenas fale em sentido literal. Essa maravilhosa capacidade imaginativa, por si só, é um troféu que consagra uma era.

Talvez não haja esforço que possibilite…

Talvez não haja esforço que possibilite a nós, modernos, uma real compreensão do homem medieval. Todo ele é-nos intrincado, mas parece o seu traço mais incompreensível ser aquele que Huizinga assim descreve:

No espírito medieval, todos os sentimentos mais puros e elevados foram absorvidos pela religião, enquanto os impulsos sensuais e naturais, deliberadamente rejeitados, tiveram de se rebaixar ao nível de uma mundanidade pecaminosa. Na consciência medieval coexistem, por assim dizer, duas concepções de vida: a concepção devota, ascética, que se apropria de todos os sentimentos morais, e a concepção mundana, toda ela deixada ao diabo, que se vinga terrivelmente. Se uma das duas predomina por completo, então surge o santo ou o pecador irrefreado; mas em geral elas se mantêm num equilíbrio instável, com oscilações da balança. Veem-se pessoas apaixonadas, cujos pecados em flor por vezes fazem sua devoção transbordar e explodir ainda mais violentamente.

É uma tensão muito mais forte, que embora extreme o vício, torna mais autêntica a virtude que se lhe contrapõe. É um comportamento tão apaixonado, e sobretudo tão sincero, que nos obriga a admitir que o homem moderno, comparado ao medieval, quiçá se destaque pela “moderação”, mas com certeza por um assombroso cinismo.

O estudo da história é desagradável

O estudo da história é desagradável porque nos obriga a mirar o homem completo, em todas as suas manifestações. Assim que ela demonstra-nos não o que gostaríamos, mas o que foi, e contrariados temos de defrontar crueldades infinitas atreladas a praticamente todos os “grandes feitos”. Mais investigamos, menor fica nossa lista de admirados, até um ponto em que começamos a questionar se realmente é possível, ao mesmo tempo, conhecer e admirar alguém.