Embora historicamente o pessimismo possua incrível taxa de acerto, não há negar que falhe e seja incapaz de enxergar pontos de inflexão importantíssimos. Para dizer como Carlyle, a história evidencia um processo em que as mentiras são repetidamente sepultadas. Dirá o pessimista, e talvez com acerto, que lhes tomarão o lugar novas mentiras. Mas não se pode negar que algo haja de benéfico no processo, isto é, que uma mentira, perdendo a força, abra espaço para que algo novo floresça, algo antes impedido pela limitadora e coerciva ação do falso. Com isso, novas possibilidades; ganha o homem, e ganha a história. Por outro lado, o tempo realmente parece induzir um equilíbrio entre empolgação e desencanto. O prudente, portanto, é deixar de lado os julgamentos extremados.
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Nunca deixa de me impressionar…
Nunca deixa de me impressionar o ambiente cultural experimentado e descrito por homens de outros tempos. Para mim, é imergir numa realidade paralela que eu julgaria impossível não houvesse tantos e tantos relatos em diferentes línguas e de épocas distintas. Tudo parece apontar-me que eu e minha circunstância somos a exceção. Cada vez que percorro esses diários, cartas e similares, não é sem um sorriso no rosto que faço minhas notas. Cartas! Já não existem cartas; o gênero epistolar tornou-se quase poético. E pensar em toda essa literatura concebida sob o cheiro de tinta, penas, candeeiros, móveis robustos… e do lado de fora teatros, óperas, saraus… é toda uma realidade que impressiona sobretudo pelo contraste. Talvez esteja tudo realmente muito bem, e seja um privilégio poder apreciá-la com este encanto só conferido pelo tempo…
Carpeaux e Burckhardt
Intercalo Carpeaux e Burckhardt e é um verdadeiro prazer silenciar para que essas inteligências se pronunciem. Carpeaux, é impressionante, parece sempre disposto a apresentar-nos um novo autor, a conduzir-nos fisicamente pelo tempo e pelo espaço, brindando-nos com sua cultura inesgotável, pintando cidades, insuflando-nos de atmosferas longínquas, tudo isso com um estilo que parece mesclar o talento de um artista e a experiência de cem vidas. Já Burckhardt parece, do alto de uma torre, protegido das agitações de seu tempo e de todos os tempos, observá-las todas, analisá-las com a imparcialidade de um cientista e as inclinações de um diletante. Suas profecias são impressionantes. Se involuntárias, como sugere o próprio Carpeaux, evidenciam uma precisa e singular compreensão dos processos evolutivos da cultura e do tempo em que estava inserido. É realmente um prazer!
O drama de D. Pedro II é o drama de um Camões
D. Pedro II, este homem cuja vida encerra uma comovente tragédia, tragédia que acentuou-se sobremaneira após sua morte, não foi capaz de colocá-la em justa medida nos poucos versos que compôs. São versos fracos, quase inócuos para alguém que lhe desconheça a biografia. Mas alguém que a conheça, e imagine o estado de atrocíssima tristeza em que foram escritos, o desconsolo imensurável do homem cuja virtude foi paga com a mais revoltante injustiça às vésperas da morte, este alguém perdoará os defeitos estéticos e irá condoer-se sinceramente da miséria do autor. Mas aqui residem dois problemas morais que custa admitir: o primeiro, que a arte é indiferente à sinceridade do autor — em arte, o mais hábil poderá superar o mais sincero, ainda que a arte se lhe resuma numa falsificação completa de si mesmo; — o segundo, que pouco importa a elevação moral contida na obra, assim como o caráter daquilo que evoca. É lamentável… O drama de D. Pedro II é o drama de um Camões, mas de um Camões injustiçado em vida e não recompensado pela história, essa maldita insensível em que foram depositadas as últimas esperanças da nobre alma corroída pelo desgosto. Seria diferente, fossem melhores os versos? Quão inútil respondê-lo…