Parece certo que, um dia, o Brasil oficializará a língua brasileira, visto que o tempo inevitavelmente particulariza a língua falada em diferentes terras, dificultando cada vez mais uma unidade idiomática. Há, nisto, muitas razões plausíveis e muitos erros. O primeiro destes é a suposição de que uma língua deve ter uma “unidade”, isto é, deve ser falada da mesma maneira unanimemente. Chega a ser risível pensar que, oficializada a tal língua brasileira, não será ela suscetível às mesmíssimas variações regionais e aos mesmíssimos processos evolutivos que rigorosamente todos os idiomas falados em larga escala sofreram e sofrerão. É preciso ser muito ignorante para supor que canetadas pautarão a língua falada nas ruas, quando é esta que, em última instância, pauta as gramáticas. Medidas estúpidas como este último acordo ortográfico não fazem senão torná-lo ainda mais evidente. Por outro lado, é compreensível e até natural que um povo anseie por uma expressão autêntica. Mas é preciso muito cuidado para distinguir até que ponto esta autenticidade representa uma evolução necessária, em vez de operar um rompimento brusco com as raízes que a permitiram evoluir.
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Nota futura
Tenho a nota pronta, mas ainda não posso escrevê-la… Oh, ansiedade! Venha, tempo! Já imagino o prazer, a alegria em transcrever-me a frustração nestas palavras: o russo é muito, é infinitamente mais fácil que o latim! Ler Dostoiévski e Tolstói no original é brincadeira perto de compreender Tácito, Virgílio, Ovídio etc., etc. Venha, tempo! Não posso esperar por esta publicação! Só de pensar em meu dicionário latino quero rasgá-lo, queimá-lo, atirá-lo para longe, eliminá-lo para sempre da minha vida. Já não suporto essa muleta, sem a qual não avanço um parágrafo em autores clássicos… E o russo… que dizer do russo? Aguardemos…
Maravilhas deste século
É uma verdadeira maravilha poder encontrar, em poucos cliques, do fim do mundo, áudios em línguas mortas pronunciadas conforme o falar original. Penso no estudo dos idiomas em séculos passados. É inevitável enxergar-me privilegiado. Por muito tempo li inglês desconhecendo-lhe a pronúncia correta: um erro crasso e comprometedor — e só o compreendi quando coloquei-me a ler poesia. Em poesia, desconhecendo-se a pronúncia, não se compreende contrações que porventura ocorrem, por vezes a métrica aparenta confusa e, principalmente, ignora-se a sonoridade dos versos que, em muitos casos, é fundamental. Em The raven, por exemplo, pronuncie-se aberto o “o” tônico fechado que se repete fechando todas as estrofes do poema, e vai-se-lhe o efeito carrancudo, a ideia e o sentimento sugeridos pelo fonema. Nevermore, nevermore, nothing more, nothing more… Temos aqui, ainda, um “r” que, na pronúncia inglesa, como que prolonga e amplifica a vogal antecedente. Disso a conclusão óbvia: para compreender a expressividade de grandes poetas, é indispensável conhecer a fonética do idioma em que compuseram. E, neste quesito, o leitor deste século só peca por desleixo.
Reformas ortográficas
Refletindo superficialmente sobre as reformas ortográficas pelas quais passou a língua portuguesa, a impressão que fica é que a língua tornou-se mais feia, pobre, e por vezes confusa. É sempre uma lástima para qualquer idioma quando “autoridades” sentam-se para regulamentá-lo. É como se o trabalho dos gramáticos, que registram progressivamente as mutações pelas quais a língua é submetida, não tivesse valor algum. Bruscamente, rompe-se o padrão cuja evolução é obra de séculos: risca-se o tempo, e se estabelece um “certo” e um “errado”, com a ingênua esperança de que uma língua viva pode ser domada por convenções… O resultado é algo que soa antinatural. O consolo é saber que, embora abundante em defeitos, o português é forte o suficiente para passar por cima destes delírios e contrassensos…