O choque que sofri após a primeira leitura de Crime e castigo, provavelmente o mais determinante de minha vida inteira, deveu-se, em grande medida, à constatação de que o que Dostoiévski fez em Crime e castigo ser diferente de tudo quanto eu já havia testemunhado, dentro e fora das letras, e à constatação da imensa nobreza deste intento. Fazer algo assim, concluí, justifica e dignifica uma existência. E é tão diferente o que faz Dostoiévski e alguns outros autores que, hoje, já há mais de uma década distante daquela primeira impressão, percebo que o tempo não fez senão reforçá-la. Um livro como Crime e castigo não sairá jamais da pena de alguém que deseja contar simplesmente uma história. Por isso, é com absoluta naturalidade que leio as linhas de Joseph Frank revelando que, após uma combinação dramática de circunstâncias, Dostoiévski escreve ao irmão dizendo que, a partir daquele momento, o objetivo de sua vida seria estudar o sentido da vida e do homem. Sem essa resolução consciente, ele jamais conseguiria se aproximar do que fez.
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O desejo de ser lido
O desejo de ser lido é apenas a inferior entre as possíveis motivações para escrever, sendo frequentemente ausente quando alguma das superiores se manifesta. Para ele sobra pouco espaço quando se sente o impulso invencível de preservar-se gravando o próprio espírito nas letras, ultrapassando o tempo e dignificando a experiência pelo registro duradouro. Da consciência da singularidade brota a vontade de querer expressá-la, de talvez elevar-se a ela pela expressão justa, que denota sua compreensão. Quando se pensa nestas coisas, percebe-se o quão distantes estão do trivial desejo de ser escutado ou da necessidade de atenção.
Talvez o mais difícil na construção…
Talvez o mais difícil na construção de um personagem é vislumbrar, de antemão, a consistência interior que terá de ser manifesta em atos. Muitas vezes, esse vislumbre só se dá a partir do momento em que o personagem começa a se mover. Mesmo assim, a prática demonstra que não é tarefa simples, nem segura, quando se tenciona representar um modelo convincente, visto que fazê-lo é conceber unidade através de contradições. Neste sentido, o trabalho é parecido ao de um biógrafo, apesar de que este, na maioria das vezes, pode apoiar-se em material concreto para começar a trabalhar.
Há uma diferença entre o estudante…
Há uma diferença entre o estudante que busca solucionar problemas e o que busca expandir seu arsenal de impressões. O primeiro muito se beneficia quando, por longos anos, fora o segundo; já este, naturalmente, tenderá a se converter no primeiro, tão logo sinta o incômodo de permanecer passivo diante das contradições que se vão brotando de suas impressões. De qualquer modo, o primeiro nunca pode deixar totalmente de agir como o segundo, pois ser-lhe-á sempre benéfico que aumente o acervo de informações no qual poderá procurar por respostas. O afã é-lhe, decerto, carregado de importância e responsabilidade adicionais; mas ocorre que, a depender das respostas, é inútil buscá-las sem antes ter passado por uma longa e paciente preparação.