A relação de alguns escritores com a doença é algo difícil de explicar. Uma pessoa normal, sem o menor desconforto, encontra as desculpas que precisa para não escrever. Se padece de alguma enfermidade, não há nem o que dizer. Então vemos não um, nem dois, mas muitos escritores que não apenas persistiram na doença por meses, anos, por uma vida inteira, mas fizeram da própria doença fonte de motivação. Não é pouca coisa, e não é algo fácil de imaginar. Há doenças com as quais nunca se acostuma; mas parece que, justamente estas, encurralam e não deixam outra opção.
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É estranho desconhecer inteiramente…
É estranho desconhecer inteiramente, cem por cento da produção literária contemporânea e notar que escritor nenhum de país nenhum jamais se comportou assim. Escrever, fazer da escrita o centro da existência, e jamais ter aberto um romance de autor vivo! Desconhecer nomes, títulos, tudo! E prosseguir como se tudo estivesse dentro da normalidade… Se isso faz ou não faz falta, é questão ociosa; mas decerto é atitude que reforça a sensação de isolamento total.
Algum escritor, certa vez, deu a sensata recomendação…
Algum escritor, certa vez, deu a sensata recomendação: uma obra de cada vez. E, sem dúvida, concentrar o espírito em uma única produção só pode acelerá-la, intensificá-la, sendo assaz benéfico para a criação. Mas é possível ser fiel a esta regra? Fazendo prosa, talvez. Já com a poesia, a situação muda, e quando os versos planejados ultrapassam algumas centenas, a mente parece rogar por uma válvula de escape na qual possa despejar linhas e linhas e experimentar o alívio da fluidez. Sem esta válvula, em pouco a improdutividade, somada às ideias que se acumulam num depósito fechado, começam a torturar. Ao poeta, praticar a prosa parece psicologicamente essencial.
O ambiente cultural da Rússia em meados…
O ambiente cultural da Rússia em meados do século XIX chega a parecer fantástico. Não apenas pela pujança, pela efervescência dos debates, pelas consequências práticas que as ideias em circulação adquiriam, pela censura atuante, pelas controvérsias, pelos eventos políticos… mas espanta, primeiro, o quilate dos autores que publicavam na imprensa, — uma imprensa que ainda abrigava muita, muita literatura, e ostentava uma plêiade que a Rússia jamais produzira e jamais produzirá; — depois, a relevância do que se discutia, a importância histórica das discussões. O entusiasmo com que tudo isso se dera provou-se inteiramente justificado, e faltam palavras para descrever o contraste com o que se passa na imprensa atual. É didático, porém, notar os resultados explosivos que se seguiram de tal vigor.