Às vezes parece que essa necessidade crítica aglutinadora, que se dá com a finalidade de apresentar uma visão histórica panorâmica dos rumos tomados pela literatura, mais prejudica do que facilita a compreensão dos autores. Quer dizer: se para autores menores a aglutinação funciona, para os grandes ela parece falseá-los, e ficamos com a impressão de que muito melhor seria, em vez de enquadrá-los numa coletividade, simplesmente confrontar-lhes vida e obra, como é feito com notório sucesso nalgumas biografias. O que salta aos olhos é que a crítica, às vezes, para explicar o conjunto, deforma completamente o individual.
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A experiência das guerras do último século…
A experiência das guerras do último século marcou de tal forma a literatura que. às vezes, provoca-nos tédio vê-la novamente relatada, uma vez que já nos encontramos tão distantes e ela já foi há muito tempo assimilada. A verdade, porém, é que ela não foi de forma alguma assimilada ou, pelo menos, as gerações que hoje vivem não se apoiam sobre suas lições. Era de se esperar que, com tantos relatos, com tantos exemplos de intelectuais jogados como prisioneiros, e que tomaram esta circunstância como combustível para a própria vocação, algo mudasse na compreensão humana da existência, e que daí surgisse, no mínimo, uma geração vacinada contra os erros do passado recente. Mas não, não… é um mito essa coisa de que uma geração parte do ponto alcançado pela precedente. Hoje, há de se ler e reler os relatos passados como experiências que provavelmente voltarão.
Apesar do grande risco de degeneração…
Apesar do grande risco de degeneração inerente às relações humanas, deve ser, mesmo, uma grande satisfação participar de um ambiente de intercâmbio cultural, tal como os que houve e os que há em diferentes países, onde um pequeno grupo de intelectuais com comunhão verdadeira de interesses conversam, ensinam, aprendem, se ajudam e se desenvolvem. O que mais parece benéfico, e nem sempre ocorre, é o contato entre diferentes gerações, que possibilita a transmissão pessoal de um legado, o que deve ser igualmente satisfatório para aqueles que o transmitem e aqueles que o recebem. Em verdade, é o que poderia ser realizado pelas universidades, se estas não se tivessem metido em tantas formalidades. Não se pode subestimar o valor da presença física — ausente nos livros —, e, portanto, a cultura deve muito a estas pequenas associações informais.
Analisando a minha obstinação…
Analisando a minha obstinação com aqueles temas que dão as notas mais insuportavelmente pessimistas de minha ficção, a saber, a violência, a insegurança, a feiura do ambiente e a incultura como norma, vejo que, instintivamente, acabo acertando aquilo que mais se distingue e mais importa nas últimas décadas. Nada há de original em nenhum destes temas; contudo, a virulência com que eles se impõem no cotidiano atual, todos eles de alguma forma interligados, e todos eles com ramificações incalculáveis, é algo que há algumas décadas não poderia ser retratado, por não corresponder à realidade. E mais importa fazê-lo agora porque mais se tenta ocultar o quão deprimente é o estado em que o Brasil se meteu. Não é possível olhar tudo isso sem o máximo espanto: um país que objetivamente alia as maiores taxas de homicídio com os piores níveis de educação do planeta… Dizê-lo e retratá-lo é, mesmo, desagradável, e não pode senão despertar antipatias. Mas alguém tem de fazê-lo, ainda que por consideração às vítimas desta catástrofe.