Mas donde? pr’onde?…

Mas donde? pr’onde? E logo o palavrório
Que não causa senão divertimento,
E faz contaminar o pensamento
Vestindo de importante o irrisório.

Que peça não comove o auditório,
Paixão que não servira de alimento
Pr’um único ato atroz, sanguinolento,
Tormento que excitou jamais velório…

Preocupação inútil, simulada,
Parece que aventar profundidade,
E adorna o verbo vão de seriedade…

O frívolo discurso envolto em nada
Posterga o que arrepia e quer porquê.
O que lateja e rasga é: para quê?

(Este poema está disponível em Versos)

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O que é a arte?, de Liev Tolstói

Ensaio interessantíssimo, como sempre, tratando-se desta pena. A Tolstói, a obra de arte é um meio de transmissão de sentimentos, quer dizer: independente do caráter qualitativo do sentimento expresso, — que pode ser bom, mau, forte, fraco… — a obra artística cumpre o seu papel desde que este sentimento comunicado pelo artista seja experimentado por quem entre em contato com ela. E o mestre, sem evasivas, leva a cabo as consequências desta proposição, julgando as variadas teorias estéticas ao longo do tempo e citando inúmeros artistas como exemplo da grande, da péssima, da verdadeira e da falsa arte. Essencialmente, diz ele, a arte não é uma busca pela “beleza”, — nem nenhuma outra abstração, —mas um instrumento que possibilita ao artista a transmissão daquilo que extrapola o argumento racional, a transmissão de sentimentos pessoais experimentados pelo autor. A arte, assim, estabelece um elo entre o artista e o homem comum, justificando-se o papel nobilíssimo na sociedade uma vez que permite que qualquer um tenha experiências que não seriam possíveis por nenhum outro meio. Tolstói julga, também, a arte de seu tempo majoritariamente corrompida e arrisca alguns comentários quanto à “arte do futuro”. O ensaio data de 1898, o mestre faleceu em 1910: poupou-se de presenciar, pois, quão desgraçadamente cairiam por terra todas as suas previsões…

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Corrupta configuração, decerto…

Corrupta configuração, decerto…
Enseada a toda espécie de assassino,
Que assusta quando, à luz de indício incerto,
Parece, em brando olhar, sorrir ao tino…

E o juízo a um pé de ter-se categórico
Lhe vê que a fixação nos quintos míngua,
Em objeção enxerga um não pictórico,
Absurdo a replicar na própria língua…

Vai, pois, Mistério, exibe-te a virtude,
Faz colapsar o raciocínio fraco,
Faz o que bem quiseres, vai, ilude…

Torna a asserção humana vão pitaco,
Causa total na empáfia um desmantelo,
Mostra e rebuça, a ti subjuga o belo…

(Este poema está disponível em Versos)

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Dostoiévski e a técnica artística

Proverbiais são as críticas ao estilo de Dostoiévski. Não somente os russos, como também desconhecedores do idioma costumam dizer de Dostoiévski prolixo, impreciso e muitas outras coisas, a taxar-lhe os textos como mal escritos ou mal acabados. Destes, entretanto, é maioria os que reconhecem o imenso valor da obra de Dostoiévski, o que nos expõe uma questão interessante. Hemingway, em A Moveable Feast, coloca-a nos seguintes termos: “How can a man write so badly, so unbelievably badly, and make you feel so deeply?” A resposta é simples: o que há na obra de Dostoiévski ultrapassa a técnica artística. Sobre esta, guardo-me as inúmeras ressalvas ao so unbelievably badly para quando for capaz de ler em russo — cautela, aliás, que faltou a Hemingway. Mas a questão expõe outra ainda mais interessante: qual é o objetivo da arte? como a grande arte se manifesta? E enganam-se os críticos que julgam o essencial da arte residir na técnica. A grande arte destaca-se, primariamente, pela potência de expressão, pelo efeito que é capaz de gerar. E o estilo, a técnica, a forma são acessórios que contribuem para a criação desse efeito, muitas vezes amplificando a expressividade da obra artística. Intenções diferentes, técnicas diferentes… E distinguindo o essencial, é possível entender como autores de estilos tão díspares como Hemingway e Dostoiévski conseguem, ambos, entregar-nos obras de enorme valor.

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