Lolita, de Vladimir Nabokov

Vladimir Nabokov é autor que me agita como poucos. Seu Lições de literatura russa gerou-me fortíssima e ambígua impressão. Depois, entrevistas, como a da Paris Review, consolidaram a imagem que dele tenho em mente: um gigante, mas de uma arrogância que me escapa à compreensão. E simplesmente não entendo algumas pedras atiradas por Nabokov como, principalmente, em Dostoiévski: permaneço em cima do muro a julgá-las invejosas ou expressão de honestidade intelectual. Tanto faz: minha mente padece dessa necessidade insuportável de julgamento; eu, não. Pois abro Lolita e, repetindo o que disse alguns dias atrás: basta uma página para perceber-me diante de um grande escritor, uma página para impressionar-me com uma escrita maravilhosa, elegante, brilhante no estilo e potente no conteúdo. A prosa de Nabokov, em Lolita, é dotada do corpo que a língua inglesa parece carecer. E não é somente por isso que a obra brilha: Nabokov ensina aos pares de seu século que escrever sobre corrupção moral não exige a corrupção da língua. Lolita cava fundo: são páginas assustadoras sobre a psicologia de um pedófilo, ambíguas desde o princípio, já pelo moralismo controverso, já pelo comportamento de Humbert Humbert, o protagonista, que oscila entre sarcasmo, amor, dissimulação e desejo, corrompendo terrivelmente uma jovem garota e instalando-nos na cabeça a dúvida infame: terá mesmo corrompido? O mero questionar é a confissão da imoralidade que nos habita a mente. E a obra-prima a prova cabal de que, no homem, o hediondo mescla-se ao sublime.

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O nome de meu bisavô

O nome de meu bisavô? Não sei…
De mãe ou pai? Nenhum dos quatro. O nome
De um bisavô é um mistério absoluto…
Anônimos são todos: eis a lei.

Três gerações — não mais! — e o nome some.
Em vão indago, em vão é que perscruto:
Descendo de um escravo ou de um grão rei?
Ladrão ou padre? Rico ou teve fome?

Meu bisavô não tem este atributo:
O nome! o nome! E nunca saberei!…
Por isso é ilusão qualquer renome:

É transitório o nome, a carne, o luto…
Investigando-me a estirpe encontrei
Só vultos em redor do sobrenome…

(Este poema está disponível em Versos)

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Uma confissão, de Liev Tolstói

Engraçado como basta uma única página para perceber-se diante de uma alma grandiosa. Qual a diferença do grande escritor para o escritor mediano? Deixando de lado a estética, o grande escritor aborda as grandes questões da vida. E Tolstói, neste ensaio denominado Uma confissão, mostra por que está entre os maiores escritores de todos os tempos: reconhece e encara de frente os maiores problemas humanos. Por que viver, se a vida trata de destruir tudo quanto existe? Por que realizar qualquer esforço se o final é invariavelmente o nada? Como não considerar a vida como o mal supremo, posto desaguar sempre em doença e mortificação? Há alguma coisa que a morte não destrua? Como aceitar o fado, ou antes: como interpretá-lo? Essas e outras questões preenchem as poucas páginas desta obra magnífica, como tudo o que tive contato proveniente da pena desse gênio. Basta uma página, repito, uma página de Tolstói para entender que a grande literatura jamais será somente sobre contar uma boa história — isso também faz a literatura shallow. A grande literatura é sequiosa da réplica à pergunta atormentadora: Por quê?

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Realidade e sonho

Inclino-me a pensar que o contentamento humano brote do encontro entre realidade e sonho. Digo e penso imediatamente em D. Quijote. Há uma fronteira sinuosa, aparentemente muito mal definida, que une o real ao imaginário e parece progenitora da satisfação. O sonho, por si só, afigura-se-me qual impotente se desprovido de ligação com o concreto. É necessária uma ponte, um elo, ainda que sob a forma da esperança, do “irá acontecer”. De outra forma, o prático rapidamente esmaga o imaginado, gerando desalento e vergonha. Isso, é claro, em mentes saudáveis. Por outro lado, a realidade será sempre débil porquanto insuficiente: necessita, também, de um amplificador, algo que embeleze e tonifique a crueza do concreto. E isso, ainda que de forma sutil, não é senão fantasiar o real. Por isso intriga-me até que ponto D. Quijote não viveu o que sonhou, ou até que ponto viveu efetivamente. Louco ou mestre? Falta-me a resposta…

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