Motivação reversa

Finalizo, após longo dia de trabalho, o enredo de meu segundo livro. Tenho, agora, trinta contos finalizados, em volume já revisto, e dezesseis poemas prontos para publicação. O trabalho destes dias é um romance que finalizarei nos próximos meses. Definido o enredo, assusto-me: horrível! Horrível e frustrante… Sinto, de antemão, repugnância pelo que me porei a escrever e meu desejo sincero é atear fogo a tudo quanto escrevo, desistir imediatamente da empreitada que me tomará um tempo enorme, um esforço psicológico descomunal e noites amargas pensando no que escrevi. Porém percebo que, se o fizer, já me não sobrará razão para acordar. Vejo rindo para mim esse sarcasmo terrível e, sabe-se lá de onde, vence-me um estranho sentido de dever que, incrivelmente, imbui-me uma motivação inabalável. Desgostoso, encontro-me dependente e refém deste dever.

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Ingratos, de D. Pedro II

Um soneto de D. Pedro II direcionado àqueles que escreveram talvez as páginas mais vergonhosas da história brasileira, cuspindo em obra e memória do mais honrado de seus compatriotas:

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

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A pátria das letras

Estive em Paris a meados de 2019. Logo ao desembarcar, deliberei: aproveito a estada e levo algumas obras que tenho dificuldade em encontrar no Brasil.

Pois bem. Foi-me a primeira vez na cidade. Aconselharam-me a buscar pelos livros em pequenos sebos à borda do Rio Sena, pela altura do Louvre, para encontrar os melhores preços. Lá fui e chegando, vejam vocês, encontrei não uma, mas vinte tendas enfileiradas, até perder a vista, todas elas abarrotadas de livros. “Estou na pátria das letras” — foi o que concluí.

Então comecei a fazer contas: não tinha espaço nem dinheiro para levar tudo o que queria comprar. Teria de escolher, digamos, quatro ou cinco autores e só. Desejava, de qualquer maneira, uma versão física de Les fleurs du mal, de Baudelaire; Aveux et anathèmes, de Cioran, era outra compra indispensável. Decidi-me, pois, e perguntei ao primeiro vendedor: “Avez-vous quelque chose de Baudelaire, Cioran, Flaubert ou Maupassant?“. O quelque chose soou-me como insolência. Ali certamente estariam as obras completas de todos os autores…

O vendedor procurou, procurou, procurou e voltou-me a resposta: “Non“. Segui à próxima tenda; novamente a resposta: “Non“. Então passei em cada uma das barraquinhas, sempre fazendo a mesma pergunta, e sempre obtendo a mesma resposta. Quando recebi o último “non” e notei que se haviam acabado as tendas, simplesmente não acreditei, pensei ser impossível a cena que eu havia acabado de vivenciar.

Havia, como disse, umas vinte tendas, cada uma delas com duas, talvez três centenas de livros. Como é que nenhuma dispunha de uma única obra de Charles Baudelaire, o maior poeta do século XIX? Vá lá que os franceses não leiam Cioran, mas Baudelaire? Flaubert?

Foi que me deu na cabeça a pergunta óbvia: “Se não há Cioran, Flaubert, Maupassant ou Baudelaire, de que é que essas tendas estão abarrotadas?”. E, acreditem vocês ou não, varrendo a prateleira mais próxima com os olhos, lá encontrei, em posição de destaque, L’alchimiste, de Paulo Coelho.

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O talento é uma longa paciência

Algumas palavras interessantíssimas de Guy de Maupassant, em minha tradução do francês:

Mais tarde Flaubert, quem às vezes via, tomou afeição por mim. Atrevi-me a enviar-lhe alguns ensaios. Ele leu-os gentilmente e respondeu-me: “Não sei se terás talento. O que trouxeste a mim prova certa inteligência, mas não se esqueça disso, jovem, que o talento — nas palavras de Chateubriand — não é senão uma longa paciência. Trabalhe.”

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