O verdadeiro artista

Semanas, talvez anos de meditação, trabalho árduo, recolhimento e esforço psicológico intenso para dar luz a uma obra que não fará muito mais do que lhe expor toda a fragilidade e imperfeição: eis a realidade do verdadeiro artista. Lidar com o retorno financeiro mínimo e quase sempre lhe julgar os esforços não recompensados. Ademais ver as críticas, em sucesso ou fracasso, marcando-lhe a presença obrigatória. Como explicar? Quem trabalharia diante de tal sorte? Publicar uma obra é não menos que a exposição total. E se assim concluímos, será forçoso adicionar que o verdadeiro artista, o que se esforça por gravar-lhe as impressões e sentimentos em obra artística, seja ela qual for, podem faltar-lhe as demais qualidades, mas não esta: a coragem.

____________

Leia mais:

Críticos literários

É muito, muito difícil que um crítico literário não se torne um difamador. E isso é fácil de entender: o crítico vê-se, na maioria das vezes, diante de algo que gostaria, mas não consegue produzir, seja por falta de coragem ou talento. Assim, com alimento diário, a inveja só tende a crescer. Isso é algo natural desde os menores aos grandes. Vejamos um exemplo emblemático: o enorme Vladimir Nabokov. Mesmo ele, intelectual de primeiríssima ordem, não escapou da emboscada, sendo capaz de entregar-nos uma análise absolutamente brilhante de Anna Karênina em volume unido a páginas desprezíveis e invejosas sobre a obra de Dostoiévski. Percebam vocês que falamos de críticos: ainda estes, os que buscam analisar e julgar sinceramente os aspectos artísticos de uma obra, estão sujeitos à tão ingrata sorte. Há ainda uma ala pior, significativamente pior: a ala dos panfletários. Mas estes, desculpem-me a indelicadeza, não merecem senão o desprezo total.

____________

Leia mais:

Motivação reversa

Finalizo, após longo dia de trabalho, o enredo de meu segundo livro. Tenho, agora, trinta contos finalizados, em volume já revisto, e dezesseis poemas prontos para publicação. O trabalho destes dias é um romance que finalizarei nos próximos meses. Definido o enredo, assusto-me: horrível! Horrível e frustrante… Sinto, de antemão, repugnância pelo que me porei a escrever e meu desejo sincero é atear fogo a tudo quanto escrevo, desistir imediatamente da empreitada que me tomará um tempo enorme, um esforço psicológico descomunal e noites amargas pensando no que escrevi. Porém percebo que, se o fizer, já me não sobrará razão para acordar. Vejo rindo para mim esse sarcasmo terrível e, sabe-se lá de onde, vence-me um estranho sentido de dever que, incrivelmente, imbui-me uma motivação inabalável. Desgostoso, encontro-me dependente e refém deste dever.

____________

Leia mais:

Ingratos, de D. Pedro II

Um soneto de D. Pedro II direcionado àqueles que escreveram talvez as páginas mais vergonhosas da história brasileira, cuspindo em obra e memória do mais honrado de seus compatriotas:

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

____________

Leia mais: