A literatura enquanto alicerce da personalidade

É ostensiva a distinção de alguém dotado de cultura literária. Para além de todos os prazeres e de toda a elevação intelectual proveniente da leitura, pode-se dizer isto: a literatura forma, desenvolve, estrutura personalidades. A literatura é capaz de alargar o conhecimento do leitor, provendo-lhe de experiências que jamais teria em vida. Ensina-o a lidar com as mais variadas situações, fá-lo sentir as emoções mais díspares e extremas, atira-o sob diferentes peles, diferentes gênios, educando-lhe para a vida. Assim, o bom leitor vê-se preparado para todo tipo de situação, pois seu conhecimento reúne um inestimável arsenal de exemplos. Vê-se imune a inúmeras fraquezas, inúmeros erros cometidos por personagens que lhe entregaram uma lição. Além disso, o bom leitor compreende infinitamente melhor as outras pessoas, o mundo em redor: a vivência dos personagens passa a ser, também, parte de sua. Grita aos olhos que a literatura, numa personalidade, abranda, fortalece, desilude, engrandece — deixando, desta maneira, marcas indeléveis no temperamento e no caráter do leitor.

____________

Leia mais:

O brilhante João Pereira Coutinho

Há quase uma década, a coluna da Folha de S. Paulo desse português é a atração de minhas terças. Junto de Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho constitui o meu contato exclusivo com jornais há anos. Aliás, são estes, acrescidos de Nassim Nicholas Taleb, os contemporâneos que exerceram influência mais forte e determinante em minha formação.

Mas que dizer de João Pereira Coutinho? Comecemos pela escrita: não há na Folha de S. Paulo coluna que verta mais lustroso o estilo, que trate melhor a língua portuguesa que a deste exímio português.

Em segundo lugar: a erudição. Se Coutinho, doutor em ciência política, escrevesse sobre política, eu jamais lhe acompanharia fielmente as linhas. A política, quando muito, não lhe serve senão de pretexto: os textos de Coutinho, todos eles, cavam mais fundo; suas colunas são atemporais. Cinema, literatura, filosofia, história, comportamento, estética… sobre todos esses e vários outros assuntos Coutinho escreve com o arsenal de um especialista. E não há, em Coutinho, ponto final sem eco.

Mais: o bom humor. As colunas de João Pereira Coutinho para a Folha de S. Paulo são melhor definidas, em verdade, como crônicas. E o bom humor é a qualidade soberana de um cronista. O bom humor torna o texto leve, apetitoso, trazendo-lhe uma nova dimensão e fazendo com que o cronista eleve-se muito acima da transitoriedade do assunto. Assim, os títulos dos textos de Coutinho jamais me desanimam: sei que, se lá está um Trump ou um Bolsonaro, em poucas linhas estarei imaginando-os a dançar.

Assim, pela quantidade de referências, pela abundância de reflexões, pelas aulas particulares de estilo e pelo profundo impacto que a leitura das colunas de Coutinho ao longo de quase uma década causaram, já não digo em meu pensamento, mas em minha personalidade, posso dizer que tenho em João Pereira Coutinho um mestre, um pai intelectual.

E que fique aqui registrado o meu reconhecimento.

____________

Leia mais:

O martírio do artista

Um soneto de Augusto dos Anjos:

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

____________

Leia mais:

O leitor do futuro

Às vezes me imagino diante de um leitor do futuro. Sou, para ele, um completo estranho; um bicho, diria… absolutamente incompreensível. Nossos hábitos não condizem, não temos afinidade de gostos, nossos gênios são, exatamente, opostos. Que pensaria ele de mim? Ora, tudo quanto se pensa de um animal pouco evoluído. E se meus costumes lhe causariam espanto, bem sei que jamais lhe obteria qualquer aprovação. Pela lente do leitor do futuro, observo, por exemplo, minha aguda misantropia: quanta repulsa! quanto estranhamento! Como é que pode um sujeito moderno se inclinar à solidão? E se não bastasse a expressão desdenhosa, vejo-a facilmente se transmutando em ódio, uma vez percebendo o desdém recíproco. Esse bicho, em verdade, merece umas boas pauladas! É um verdadeiro câncer social! E como câncer não pode, em nenhuma hipótese, proliferar! Risos, muitos risos… mal sabe o leitor do futuro que o bicho é psicologicamente castrado, que a ele repugna a multiplicação. Mas talvez o bicho delire, uma vez fantasiando esse leitor do “futuro”…

____________

Leia mais: