Certa vez, há uns bons anos, anunciaram-me ter ouvido uma música cujo peso era tão tremendo, tão sombrio e tão dramático que parecia encerrar algo de infernal. Era Prokofiev. Reconheci a música de imediato e sorri. Em seguida, para evidenciar que aquilo nada tinha de exageradamente tremendo, sombrio ou dramático, reproduzi uma faixa do Réquiem. Na primeira nota, o assombro e a certeza, escancarada por um contraste esmagador. Idêntica sensação repetiu-se na noite de ontem quando, após quatro anos, retorno ao meu romancista preferido, ao autor ao qual mais horas dediquei e do qual não posso separar-me. No mesmo dia, havia encerrado uma obra de Thomas Bernhard, uma obra em que a mesma técnica é exaustivamente empregada a fim de expressar tensão psicológica, aflição, inquietude, desespero, e sabe-se lá mais o quê. Então, Dostoievski. Não é preciso dizer mais nada.
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A superioridade de Tolstói e Dostoiévski
A superioridade de Tolstói e Dostoiévski sobre os demais romancistas não é a técnica e nada tem que ver com a técnica, o que demonstra que, em literatura, ela não prepondera sobre a motivação artística, esta sim a essência de uma obra. O que se nota nos romances de ambos é que, lendo-os, sentimo-nos inteiramente absorvidos pela narrativa e uma infinidade de ideias movimentam-se em nossa mente, mas nunca aquelas relacionadas aos artifícios da narração, que passam como despercebidos, a menos que nos proponhamos a exclusivamente analisá-los. São ambos superiores porque superiores são suas motivações.
A poesia silábico-acentual
No que tange à técnica poética portuguesa, a poesia silábico-acentual é e sempre será a mais difícil e mais requintada, não importando quantas inovações mais apareçam nem quão mais rara ela se torne. Sua dificuldade, só poderá compreendê-la aquele que se arrisque a fazer um punhado de versos observando-lhe as exigências que, se tornam o trabalho consideravelmente moroso, também entregam um resultado especial. Muito mais conveniente, sem dúvida, é deixá-la de lado e “inovar”. Mas quando se lhe vislumbra as possibilidades belíssimas, entende-se que, em português, não há técnica mais consistente e refinada, cuja boa aplicação eleva sobremaneira a força expressiva e a harmonia de uma composição.
A idolatria literária perdura e cessa tal como todas as outras
A idolatria literária perdura e cessa tal como todas as outras: perdura pela ignorância, e cessa no momento em que o idólatra percebe que o idolatrado não se conforma totalmente às suas convicções individuais. Daí que facilmente converte-se em ódio nas cabeças mais fanáticas. A outra senda é a da maturidade, que prescreve entender que um grande autor jamais se adequará inteiramente ao nosso pensamento; do contrário, nada teria a nos ensinar. Mas é difícil, oh, como é difícil ao homem deixar de lado a vaidade e reconhecer no outro o diferente, como é difícil admitir e aceitar a grandeza que não se curva aos ditames de suas convicções! Enfim, é a lição de sempre: grandes autores são como são, e não como gostaríamos que fossem.