A poesia não deve ser cantada

Abrimos a janela e escutamos, da rua, a asseveração enfática de que a poesia não deve ser cantada. E da rua asseveram, também, como se deve declamá-la. Então buscamos um compêndio de poemas aleatório da prateleira. Abrimo-lo, mentalizando intensamente que “a poesia não deve ser cantada”. Para nossa infelicidade, porém, já no índice deparamo-nos com cantos, cantigas, cânticos, canções, e temos de fechá-lo imediatamente antes que nosso cérebro colapse. É muito pensamento racional! Da rua, ouvimos que aquele que canta um poema parece uma criança. Realmente, impressiona… Só com muito esforço conseguimos vencer tal disparate, quando enfim nos atemos ao óbvio: uma criança canta um poema porque, lendo com naturalidade, é impelida a cantar pela estrutura rítmica dos versos. Canta-o, em suma, por ainda não ter sido estragada por um adulto qualquer.

A pausa obrigatória no fim do verso

Se um poema é declamado sem que se respeite a pausa obrigatória no fim do verso, pausa que caracteriza o próprio discurso poético, esconde-se do ouvinte sua estrutura. Fazendo-o, é impossível que o ouvinte diferencie o verso branco do livre, e ambos da prosa. É impossível, também, que distinga um verso metrificado, e muito menos que defina em qual metro foi construído, salvo, nalguns casos, pela rima. Ignorar a pausa no fim do verso é anular o distúrbio estrutural intencional gerado por cavalgamentos; portanto, é anular-lhes o próprio efeito. É ocultar a harmonia — ou a falta dela — resultante da disposição dos termos oracionais nos versos. Quer dizer, se um poema é lido tendo a pontuação como única referência, ele é lido como prosa. E um poema lido como prosa é, simplesmente, transformado em prosa. Convém refletir: fosse esse o objetivo, bastaria que o poeta escrevesse em prosa aquilo que, intencionalmente, optou por estruturar em versos — o que lhe acarretou, esperamos, um considerável esforço adicional.

Os distintivos de Soljenítsin

Há três principais diferenças entre Soljenítsin e o resto daqueles que defendem uma causa pela literatura, ou fazem literatura para defender uma causa. A primeira delas é que Soljenítsin, antes de atacar o regime que ataca, experimentou-o, isto é, sofreu-o com oito anos de cadeia e vendo inumeráveis amigos, conhecidos e familiares presos, perseguidos e fuzilados. A segunda diferença deriva da primeira: em honra própria e daqueles que perdeu, está justificada a sua causa; quer isto dizer que sua literatura é uma resposta à sua experiência pessoal, ou seja, sua motivação literária é a mais autêntica que pode haver. Por último, o seguinte e simplesmente: sua causa é nobre, e este adjetivo não carece de explicações. Do outro lado, que encontramos na maioria daqueles que fazem literatura ideológica? Não é preciso gastar muitas palavras: não encontramos nem a nobreza, nem o conhecimento de causa; encontramos, em suma, um fetiche.

Quando, há quatro anos…

Quando, há quatro anos, senti estar pronto para escrever, ou melhor, senti que já não era possível protelar o início dos trabalhos, estipulei um prazo e um número de obras que serviriam de preâmbulo para aquilo que eu tencionava fazer. O objetivo era dispersar, por gêneros e estilos, temáticas predefinidas, mais expondo problemas que apresentando soluções. Neste ano, o prazo chega ao fim, e alcanço-o com a certeza de que o que foi feito, quer melhor ou pior que o planejado, está feito e é suficiente. Agora, é força mudar, simultaneamente, o passo e a direção.