Finalmente, mais um voluminho escrito, pronto para a revisão. Este, parece, o mais penoso entre todos; em prosa, sem dúvida o que saiu mais lentamente, menos espontâneo e mais compelido e, assim, outro rebento desta poderosa obrigação. Muitas coisas vêm à mente agora que, após quatro anos de trabalho ininterrupto, as linhas, embora não excessivamente abundantes, embora em menor quantidade que a planejada, já são alguma coisa. Alguma coisa que representa a concretização de umas boas centenas de horas de trabalho, de esforço concentrado e de luta interior. As palavras não parecem mais flexíveis do que antes; parecem, pelo contrário, mais pesadas, como se o tempo não tivesse senão acentuado a responsabilidade no escolhê-las. O sentimento não é de alívio, nem de satisfação com o trabalho concluído; há, simplesmente, a certeza de que é preciso continuar.
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A melhor solução para vencer…
Sem dúvida, a melhor solução para vencer o penosíssimo trabalho de revisão é a de Fernando Pessoa: não revisar nada, nunca, e jamais se propor a tarefa de dar uma forma definitiva para aquilo que se escreveu. Tão óbvio, tão evidente… e ainda assim parece a mais disparatada das decisões. Se toda profissão tem suas agruras, algumas só suportáveis a longo prazo por aquele dotado de vocação para exercê-la, ao escritor talvez nenhuma seja mais frequente que o deparar-se com um trabalho ruim. Diferentemente de outras profissões, em que o resultado e a eficácia do trabalho são facilmente mensuráveis, e daí portanto mais facilmente se percebe uma evolução na técnica e os efeitos positivos da experiência, o trabalho do escritor parece sempre fadado a ser visto como insatisfatório por suas próprias lentes, algo que se torna violentamente evidente no processo de revisão. Revisando textos longos, aprende-se que os erros mais elementares, na escrita, são invencíveis, porque, entre outros variados motivos, a atenção nunca se mantém constante por um longo período. E assim que, para a sua satisfação psicológica, o melhor é que o escritor jamais revise; do contrário, será forçado a tomar regularmente duríssimas lições.
Na literatura brasileira, nada impressiona tanto…
Na literatura brasileira, nada impressiona tanto quanto os trajes que vestiam as personagens até meados do último século. Chega a ser inverossímil que a moda europeia tenha atravessado o oceano e encontrado aceitação numa terra em que o sol, sempre pujante e presente, não faria mal se desenhado na extremidade superior de todas as páginas que este solo produziu. E então parece-nos inconcebível que haja uma literatura em que as personagens manifestem sentimentos que não um calor intolerável, uma vontade de passar a vida debaixo de um chuveiro ou, no mínimo, de ligar um ventilador. É realmente impressionante…
A despeito de toda aflição inerente…
É verdade que, a despeito de toda aflição inerente da escrita, organizar o pensamento, moldá-lo em palavras, variando formas, testando novas possibilidades e vestindo-o diferentemente a cada nova peça, tem o seu quê de prazeroso. Despretensiosamente, é possível aproveitar e tomar gosto pelo processo, sem o qual não se chega longe nas letras. O lamentável é que a literatura não se resume a estes momentos em que o pensamento parece matéria inerte e a função do artista simplesmente conformá-lo, como se, com fazê-lo, o artista se não vinculasse a ele de forma que a expressão aparenta sempre imperfeita e sempre a representar uma dolorosa separação.