Com os termômetros beirando os quarenta graus…

Com os termômetros beirando os quarenta graus, é difícil decidir por escrever, ou estudar, ou qualquer coisa em vez de enviar súplicas ardentes a Deus para que queime logo tudo e encerre este mundo de uma vez. Primavera, primavera… oh, sua detestável! E ainda que se busque inspiração para vencer a angustiante sensação térmica, ela não vem, porque é preciso, antes, tomar outro banho, beber mais e mais água, repousar na esperança de que o corpo refresque e, assim, seja possível tornar a pensar. Talvez seja por isso que já disseram muitas vezes que, para florescer, é no clima temperado que o intelectual se deve instalar. O tropical é-lhe inimigo, posto que lhe acentua as sensações e o impele a… Florescer, Deus, florescer! Suma destas linhas, verbo intruso…

Variar o estilo

Se não necessário, é no mínimo saudável que o escritor varie periodicamente o estilo, o formato, o gênero aos quais conforma as ideias que tem. Assim é por inumeráveis motivos, a começar por quão estimulante é o fazê-lo, e também pela tomada gradual de consciência das possibilidades expressivas que jamais se esgotam. Mais do que isso: neste exercício, descobre-se que há lugares mais adequados para ideias e ideias, e evita-se o ter de misturá-las todas — porque certamente virão variadas na mente criativa — num só formato. O melhor, pois, é variar como Voltaire; e é bom que o escritor o tenha em mente, caso assim não proceda espontaneamente.

O verde

Chega a ser engraçado quão desagradáveis sentimentos o verde é capaz de suscitar. A sorte é que, o mais das vezes, ele não predomina sobre as outras cores no campo de visão. Coloque-se, porém, um coitado num ambiente em que se veja dele rodeado e por ele agredido e, em pouco, ter-se-á o desespero. Tolera-se a exposição ao verde como tolera-se um inseto: desejando que ele suma de nossa frente, para que não tenhamos de agir.

Quando se perde um rascunho

Quando se perde um rascunho, mas persiste na memória aquilo que foi esboçado, dá-se algo interessante. Percebe-se ser possível restaurar o rascunho percorrendo novamente as mesmas etapas do raciocínio que o concebeu; mas não ser possível restaurá-lo palavra por palavra, exatamente como era. Nota-se, então, que algo se perde no processo. Disso conclui-se que se pode dizer o mesmo um dia após o outro, renovando-o pela maneira como se diz; contudo, fica entranhada neste como a singularidade do momento em que se disse e, enfim, o rascunho perdido é mesmo o momento que se foi…