O início

Parece o resultado de todo projeto artístico fundamentalmente dependente do entusiasmo e do vigor com que é iniciado. O espírito com que se lhe impregna esta arrancada é-lhe determinante. Para um mau começo, pois, ou um começo débil, não há muito o que se fazer, enquanto um começo vigoroso se pode estender pelo trabalho braçal e pela simples disciplina. Por isso é tão importante que se faça a ideação separadamente, num momento que preceda o executá-la. Assim, pode-se aproveitar do insuperável estímulo daqueles momentos em que a ideia se mostra pronta e parece a explodir.

O trabalho criativo

O trabalho criativo depende, essencialmente, de duas coisas: (1) da capacidade de estimular, permitir e apreender novas ideias e (2) da capacidade de aproveitá-las. No primeiro caso, temos, sumariamente, o esforço intelectual e a atenção, qualidades que, ainda que não intencionalmente, são incitadas pelo simples querer criar. Já no segundo, dá-se algo mais custoso, e talvez a maior diferença entre o artista fecundo e o infecundo resida justamente nisso: na capacidade de concretizar as ideias que têm, não deixando que elas se percam e se vão tão naturalmente como vieram. Tal capacidade é, simplesmente, a capacidade de agir. Disso se nota que o trabalho criativo, para que efetivo, exige não somente as ideias, o concebê-las e o captá-las, — algo que se pode fazer sem esforço; — mas requer um estado mental que se resume numa prontidão permanente para a ação.

Por melhores que sejam os poemas curtos…

Por melhores que sejam os poemas curtos, e por mais afeiçoada que se lhes seja a mente moderna, são eles, isoladamente, incapazes do grande efeito poético. Este somente se alcança quando a mente atinge um grau de êxtase que exige, primeiro, uma absorção completa e, segundo, um determinado número de versos. Quer dizer: é preciso que a mente se imerja na atmosfera poética que a conduzirá no movimento de ascensão. Então, verso a verso, a concentração aumenta, os estímulos se intensificam e o grande efeito, desde já, vai sendo construído. Em resumo: para que o pico impressione, é preciso precedê-lo da escalada.

A poesia não deve ser cantada

Abrimos a janela e escutamos, da rua, a asseveração enfática de que a poesia não deve ser cantada. E da rua asseveram, também, como se deve declamá-la. Então buscamos um compêndio de poemas aleatório da prateleira. Abrimo-lo, mentalizando intensamente que “a poesia não deve ser cantada”. Para nossa infelicidade, porém, já no índice deparamo-nos com cantos, cantigas, cânticos, canções, e temos de fechá-lo imediatamente antes que nosso cérebro colapse. É muito pensamento racional! Da rua, ouvimos que aquele que canta um poema parece uma criança. Realmente, impressiona… Só com muito esforço conseguimos vencer tal disparate, quando enfim nos atemos ao óbvio: uma criança canta um poema porque, lendo com naturalidade, é impelida a cantar pela estrutura rítmica dos versos. Canta-o, em suma, por ainda não ter sido estragada por um adulto qualquer.