O escritor estará perdido caso não sinta…

O escritor estará perdido caso não sinta uma atração irresistível pela língua, que o obrigue a estudá-la ainda que não queira, numa prática cuja abstinência se manifeste num profundo desconforto. Se é isso predestinação, não faz diferença. O certo, porém, é que não suportará os obstáculos e frustrações da profissão caso não se sinta a evoluir pelo estudo prolongado ao infinito, só possível com uma tolerância às letras que melhor se definiria como uma paixão. Se a elas se acorrenta e não se sente à vontade, é preciso que, no mínimo, sinta a satisfação característica do cumprimento de um dever.

O que a escrita proporciona

O que a escrita proporciona não se alcança pela vida: ação de nenhuma espécie pode igualá-la ou substituí-la. De início, a ordenação e expressão do pensamento — o passo adiante à leitura; a consolidação do aprendizado e do raciocínio. Depois, o caráter reflexivo do processo: ainda que fosse possível discursar pelo tempo que se escreve e sobre aquilo que se escreve, o discurso é radicalmente diferente da escrita por não permitir, ou melhor, por não exigir a revisão, que resume-se a uma reflexão aprofundada sobre aquilo que se ensaiou exprimir e uma decisão quanto à sua expressão mais precisa. Por individual, a escrita incentiva a autoanálise, conjugando-a a uma ação que se materializa no registro do pensamento. Destarte, para aquele que escreve, pode funcionar simultaneamente como desabafo e meditação. Nada disso, porém, expressa os principais efeitos do processo, que assim poderiam ser resumidos: crescimento e transformação.

Quando o estilo se impõe e agrada…

Quando o estilo se impõe e agrada, pode-se tolerar um passo que não diga nada importante. Em alguns casos, tolera-se mais, muito mais que um único passo, a depender da qualidade do autor. É interessante observá-lo porque é isso a prova de que o prazer estético, sozinho, pode sustentar o interesse. Assim que a poesia metrificada, estética e gramaticalmente bem construída, leva uma vantagem óbvia e pode, apenas pelo esmero da técnica, nos agradar. Há muitos versos que não têm muito além disso, e ainda assim parece-nos suficiente e parecem-nos tais versos bons. O mesmo vale para a prosa, e não são raros os exemplos em que poderíamos dizer que, em suma, o estilo é o autor.

Não há maturidade nem experiência capazes…

Não há maturidade nem experiência capazes de eliminar a pungente frustração quando nos deparamos com um erro — exatamente isso, um erro — numa obra literária já escrita e já revisada por nós. Que dizer? Algo parece certo: eles estão lá, e estarão sempre lá. É uma sensação verdadeiramente indescritível a de encontrar, ali, a prova irrefutável da displicência, e então sentir a mão coçar como a de Kafka para acender uma grande fogueira e lá atirar o trabalho malfeito. Não importa quanto tempo passe, nem quanto se aprenda: não é possível vencer, nem o erro, nem a frustração.