Ao artista, assim como as experiências lhe são úteis à medida que lhe influenciam a obra, é errôneo lhes querer julgar a importância como se faria de praxe com um homem comum. Seja a arte tida como a representação da realidade ou a criação de uma realidade alternativa, nela o artista porá aquilo que realmente lhe importa, aquilo que, transformado em arte, representa-lhe o que há de mais caro e digno desta cristalização. Portanto, será quase sempre absurdo querer enxergar como determinante no artista algo que sua própria obra recusa-se a nos dizer.
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Pessoa: uma biografia, de Richard Zenith
Esta biografia de Fernando Pessoa assinada por Richard Zenith dificilmente será superada por aquelas que porventura a sucedam. Em primeiro lugar, temos aqui um profundo conhecedor da obra, e não somente da vida de Pessoa. Parece óbvio dizê-lo, embora talvez não seja tão óbvio que a mais complexa tarefa em se fazer uma biografia de um intelectual consiste em narrar-lhe a trajetória intelectual. Para um artista como Fernando Pessoa, que tinha na própria multiplicidade sua maior virtude, a empreitada torna-se arriscadíssima. Mas Zenith a encara e apresenta-nos uma visão serena dos meandros da evolução intelectual do poeta, sem cair na tentação de conformar o biografado à sua interpretação pessoal. Os capítulos estão inteligentemente organizados e a narrativa, a princípio cronológica, permite-se avançar e retroceder no tempo, quando assim a temática demanda. E então vemos os detalhes, os belos detalhes que somente adquirem a devida importância quando contextualizados por um biógrafo competente, como a honrosa e comovente homenagem ao tio Cunha e sua inestimável contribuição em instigar divertida e criativamente a imaginação do pequeno poeta. Pessoa: uma biografia é uma obra digna dos mais sinceros elogios, e cujo autor provou-se merecedor de agradecimentos que ainda se estenderão por muitas gerações.
Concessões ao mundo prático
É irritante, mas talvez simultaneamente necessário, o fazer concessões ao mundo prático na criação literária. É natural que haja no intelectual um impulso de isolar-se em abstrações tão prazerosas quanto são desagradáveis as intromissões da banalidade cotidiana em sua obra. Contudo, estas que parecem manchas constituem um elo necessário com a realidade que permite que a literatura exerça o seu papel engrandecedor. Isolar-se no plano intelectual é misturar-se aos filósofos cujas obras ociosas jamais serviram de conselho a alguém.
É muito difícil julgar o artista inconsequente
É muito difícil julgar o artista inconsequente, que tem no agora sua única realidade e adota uma postura financeiramente irresponsável. Admita-se ou não, a prudência financeira é uma aposta. A frugalidade, a parcimônia, o construir lentamente um pequeno patrimônio é apostar que haverá futuro e que, nele, será possível dedicar-se inteiramente à arte, ainda que dela não se extraia um tostão. A verdade é que, em hipótese nenhuma, o artista pode permitir-se desperdiçar o agora, e deve trabalhar sempre as melhores ideias de que dispõe, ainda que por um tempo reduzido, muito longe do ideal; pois, assim como o futuro é uma possibilidade, há também a possibilidade de que jamais usufrua das tais condições “ideais”.