Tem de haver, obrigatoriamente, uma diferença…

Tem de haver, obrigatoriamente, uma diferença entre versos longamente meditados e versos talhados em segundos. Se não o leitor, é o poeta quem deve senti-la. Caso contrário, é admitir que nem a mente, nem o esforço servem de nada. E a paciência uma virtude daqueles que não têm talento. Não, não… parece haver aí um contrassenso, assim como há justeza na maior gratificação proveniente da conclusão de trabalhos demorados. A grande arte pede tempo, ainda que para ratificar uma criação concebida num repente.

A crítica fundamental de Bandeira

Parece facílimo notar que a crítica fundamental de Bandeira, em Os sapos, era direcionada à futilidade dos cultores da forma. Manifestou ele sua repulsa por discussões estéticas inúteis e pela poesia frívola, ainda que requintada. O curioso é que tal não parece ter sido notado por aqueles que, inspirados pelo poema, fundaram uma nova estética, que se desenvolveu num culto à forma ainda mais apaixonado. Mas o pior não é isso; o pior é ver que a nova estética mergulhou-se em banalidades não como as parnasianas, mas infinitamente piores, quando não obscenas e repulsivas, em criações que não fazem senão manifestar a torpeza da mente que as criou. É uma estética presente o mais das vezes em poemas que aliam ignorância à inabilidade artística e à baixeza de espírito. Pensando bem, que façanha!

Deveria ser vedada ao homem a possibilidade…

Pronto! Agora, não consigo me livrar da memória do sujeito a dançar com uma harpa sob aplausos da plateia. Deveria ser vedada ao homem a possibilidade de manifestação coletiva. Sem dúvida, tal medida sepultaria, por baixo, metade dos problemas do mundo. Ocorre algo inexplicável quando o homem se mistura — e se anula — numa coletividade. Uma coletividade, ainda que formada por homens inteligentes, é sempre estúpida. Tal já foi notado não sei se por Nelson, O’Neill ou Wilde. Talvez por Ibsen, e mais provavelmente pelos quatro. O homem, em grupo, deveria agir somente como nas orquestras onde o aplauso é proibido e o verbo vale expulsão.

Qualquer trabalho é suportável…

De Guyau:

« Maudit soit ce travail qui, semblable à la flamme,
Dévore notre vie et la disperse au vent ;
Maudit ce luxe vain, ces caprices de femme
Toujours prêts à payer sa vie à qui la vend ! »

Oh, desespero! E o impressionante, o inacreditável é ver que tais versos não podem hoje sair senão de penas raríssimas, as incapazes de se adaptarem à normalidade vigente. Sem dúvida, é tal sentimento inconfessável, um pecado contra a sociedade moderna a qual exige o assentimento e a exaltação destas qualidades e desta conduta que mais parece estrangular a dignidade humana. Creio ter sido Dostoiévski a refletir, no cárcere geladíssimo da Sibéria, que qualquer trabalho é suportável, mas constatá-lo inútil, constatar-se a esforçar-se por nada, isso é absolutamente revoltante e intolerável ao homem: numa situação destas, o melhor sem dúvida é não existir. Mas Dostoiévski, talvez, tenha-se precipitado: ao menos hoje, pouquíssimos parecem adequar-se-lhe à constatação.