Do Brasil, é difícil imaginar o ambiente literário europeu do século XIX, no qual não somente se ganhava algum dinheiro com literatura, mas era possível viver de ficção. Só de imaginar um pagamento, qualquer pagamento, precificado pelo número de páginas escritas, é algo que faz o cérebro travar. Menos absurdo que conjeturar um editor que pague alguma coisa por literatura, é pensar no ato da criação invadido por pensamentos como: “Cobrarei tanto por página”, “Oferecerei a obra a este e àquele editor”, “Preciso finalizar o livro para receber”… E isso como regra! experimentado por praticamente todos os autores! Então, o pensamento voa para os aspectos econômicos: esta obra foi vendida por tanto, aquela por outro tanto, este autor vendia tantas obras por ano, aquele outras tantas, e assim por diante. E pensar nos autores que fizeram a literatura brasileira, financiando o próprio trabalho, publicando por um misto de dever e amor, e sem jamais contar com a possibilidade de ganhar uma vida com a literatura. O contraste é brutal!
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O choque que sofri após a primeira leitura…
O choque que sofri após a primeira leitura de Crime e castigo, provavelmente o mais determinante de minha vida inteira, deveu-se, em grande medida, à constatação de que o que Dostoiévski fez em Crime e castigo ser diferente de tudo quanto eu já havia testemunhado, dentro e fora das letras, e à constatação da imensa nobreza deste intento. Fazer algo assim, concluí, justifica e dignifica uma existência. E é tão diferente o que faz Dostoiévski e alguns outros autores que, hoje, já há mais de uma década distante daquela primeira impressão, percebo que o tempo não fez senão reforçá-la. Um livro como Crime e castigo não sairá jamais da pena de alguém que deseja contar simplesmente uma história. Por isso, é com absoluta naturalidade que leio as linhas de Joseph Frank revelando que, após uma combinação dramática de circunstâncias, Dostoiévski escreve ao irmão dizendo que, a partir daquele momento, o objetivo de sua vida seria estudar o sentido da vida e do homem. Sem essa resolução consciente, ele jamais conseguiria se aproximar do que fez.
O desejo de ser lido
O desejo de ser lido é apenas a inferior entre as possíveis motivações para escrever, sendo frequentemente ausente quando alguma das superiores se manifesta. Para ele sobra pouco espaço quando se sente o impulso invencível de preservar-se gravando o próprio espírito nas letras, ultrapassando o tempo e dignificando a experiência pelo registro duradouro. Da consciência da singularidade brota a vontade de querer expressá-la, de talvez elevar-se a ela pela expressão justa, que denota sua compreensão. Quando se pensa nestas coisas, percebe-se o quão distantes estão do trivial desejo de ser escutado ou da necessidade de atenção.
Talvez o mais difícil na construção…
Talvez o mais difícil na construção de um personagem é vislumbrar, de antemão, a consistência interior que terá de ser manifesta em atos. Muitas vezes, esse vislumbre só se dá a partir do momento em que o personagem começa a se mover. Mesmo assim, a prática demonstra que não é tarefa simples, nem segura, quando se tenciona representar um modelo convincente, visto que fazê-lo é conceber unidade através de contradições. Neste sentido, o trabalho é parecido ao de um biógrafo, apesar de que este, na maioria das vezes, pode apoiar-se em material concreto para começar a trabalhar.