Os verdadeiros e os artificiais

Diz Guyau, no prefácio de Vers d’un philosophe:

Il y a deux écoles en poésie : l’une recherche la vérité de la pensée, la sincérité de l’émotion, le naturel et la fidélité parfaite de l’expression, qui font qu’au lieu d’un auteur ” on trouve un homme ” : pour cette école, pas de poésie possible sans une idée et un sentiment qui soient vraiment pensés et sentis. Pour d’autres, au contraire, la vérité du fond et la valeur des idées sont chose accessoire dans la poésie : le tissu brillant de ses fictions n’a rien de commun ni avec la philosophie ni avec la science ; c’est un jeu d’imagination et de style, un ravissant mensonge dont personne ne doit être dupe, surtout le poète.

Tal divisão, que parece mais precisa que as tradicionais escolas literárias, e que pode ser facilmente estendida às outras artes, resume os artistas em dois grupos: os verdadeiros e os artificiais. A única ressalva possível consiste em dizer que, em muitos casos, a emoção imaginada pode ser uma emoção sentida, isto é, a imaginação, por fortíssima, vale de experiência. De resto, é admitir que há aqueles que fazem arte por uma necessidade expressiva, aqueles aos quais uma vida sem arte é absolutamente injustificada, absolutamente impossível; e há aqueles aos quais a arte é um divertimento e uma exibição. Isso basta.

Inovações artísticas

Estou aqui pensando: chegou o dia em que o ritmo, após tanto tempo utilizado na poesia, deixou de ser belo; e belo passou a ser fazer poesia sem ritmo. Curiosamente, sou assaltado por uma lembrança engraçadíssima. Certa vez, fui à fronteira com o Paraguai e lá estava para assistir ao “espetáculo cultural” mais renomado da região. Tal espetáculo não era senão uma tentativa de evidenciar mesclando as tradições musicais dos países vizinhos. Foi uma apresentação, embora caríssima, redondamente ridícula; mas houve um momento que, pelo grotesco impensável, fez valer o preço do ingresso. No palco, subiu um sujeito com vestes temáticas paraguaias carregando uma harpa. Uma harpa: o mais imponente dos instrumentos musicais. Houve um silêncio, ou melhor, o silêncio do imponentíssimo instrumento congelou a plateia. Obviamente, estava esta na expectativa de que o homem fosse tocar a harpa. Porém, após bater exatamente duas notas, eis que o sujeito, ao som de um playback, toma a harpa como dama e começa a bailar: rodopia, balança-a de um lado para o outro e ousa atirá-la para o alto. Neste momento, já estava a plateia animadíssima batendo palmas. Eu, é verdade, não controlava as gargalhadas, que se perdiam entre as palmas e o playback. Mas lá estava a harpa, enorme, com o seu quê de divino, bela como se fosse feita de ouro, rodopiando nas mãos de um palhaço para o aplauso de algumas dezenas de imbecis.

A língua carece de uma obra

Notando a confusão terrível em que se encontram, ainda hoje, alguns conceitos da versificação portuguesa, como a “cesura” e o “encadeamento”, sendo a primeira utilizada para exprimir desde tonicidade à divisão silábica, incluindo usos mais criativos como “o repouso da voz sobre uma sílaba”, e a segunda para expressar tanto o chamado cavalgamento como a repetição de fonemas, frases ou até versos inteiros, concluímos que a língua carece de uma obra que seja capaz de esclarecer tais e outros conceitos. Os tratados de Castilho, Bilac e Guimarães Passos são incompletos por não dedicarem uma linha ao ritmo — curiosamente, o que há de mais importante na poesia; — outros há que, embora devam ser reconhecidos pela intenção, lamentavelmente não compreenderam ou compreenderam incorretamente muitos aspectos básicos da poesia. Duque-Estrada e Bandeira, grandes versificadores, produziram obras de bolso, pouco abrangentes. Said Ali brilhantemente expôs uma interpretação nova à versificação portuguesa, mas sua obra não é capaz de instruir, do zero, um iniciante, posto que se escusa a estender-se em muitos conceitos que ao autor pareciam óbvios. Disso tudo parece a língua carecer não de um tratado com regras, mas de uma obra que simplesmente clarifique conceitos básicos e reúna o que há de positivo desde Castilho, sendo um apoio seguro para aqueles que desejam fazer versos. Como é possível não havê-la?

Sempre desagradável…

É curioso como o processo de escrita parece sempre desagradável ou, no mínimo, expõe sobremaneira os seus piores aspectos. Começa-se uma obra em prosa, e a mente se recorda de como a poesia é mais bela; esboça-se um volume de versos, e a mente parece ter saudade da produtividade da prosa. Não há escapatória: crie-se o que for, será o processo sempre uma luta e abandoná-lo sempre mais fácil. Por isso, causa uma certa inveja quando observamos aqueles que brincam fazendo arte ou fazem-na pensando nas cifras, na fama, nos leitores. Embora produzam obras medíocres, livram-se desta insuportável angústia e deste desejo terrível de aniquilação.